segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Pilotagem em grupo


Procedimentos para uma condução segura e eficiente de grupos motociclísticos em estradas

Recentemente tive a oportunidade de acompanhar vários grupos motociclísticos em curtas viagens, ficando abismado com os procedimentos utilizados para conduzi-los – o que motivou o enfoque dessa matéria.
Cada grupo parece ter um conjunto de regras próprio, alguns sensatos, outros nem tanto.

Ao longo de minha carreira motociclística, pude experimentar o que é organizar e conduzir grupos de motociclistas, e posso garantir que não é tarefa fácil. No entanto, é perfeitamente possível fazê-lo com segurança, quando nos atemos a um sólido conjunto de regras que devem ter sua origem nas particularidades de cada lugar. Por isso, um modelo de condução utilizado no estrangeiro, por exemplo, pode não ser a melhor solução para a nossa realidade.

Grupo
Chama-se de grupo de motociclistas quando duas ou mais motos trafegam juntas, em tal relação de proximidade que evidencia aos demais usuários da via tratar-se de pessoas que conhecem umas as outras. Para todos os efeitos, independente de quantas motos estiverem trafegando juntas, os membros devem ser conjugados em pares, de maneira a ocuparem apenas uma faixa de rolagem, estando um na diagonal do outro e os pares separados por distância pertinente. Abaixo verá os pormenores e a justificativa de cada procedimento adotado.

O par
Cada par deve ser composto por um motociclista experiente e um menos experiente. Aquele com maior experiência toma a posição de liderança à frente e à esquerda da faixa que está sendo utilizada, enquanto o outro deve ficar na sua diagonal atrás, ocupando o lado direito da mesma faixa. Pelo menos no momento inicial do percurso. Ao longo do trajeto esse posicionamento deve-se inverter por vezes, caso seja viável.
Aqui vão as razões para isso: estando um na diagonal do outro, obtém-se o melhor posicionamento pois permite que ambos os pilotos tenham visão um do outro, o tempo todo. Vistos de longe, tanto pela frente quanto pelas costas, formam uma massa maior e mais fácil de ser visualmente identificada por outros usuários. Estando na diagonal, ambos os motociclistas mantém a capacidade de mudar de trajetória, sem interferir com a trajetória do outro. Quando estão paralelos um ao outro, essa capacidade é profundamente limitada, e por isso, não deve ser utilizada. Adicionalmente, estando na diagonal um do outro, permite que ambos tenham plena visão à frente, bem como à ré, garantindo o controle situacional ao seu redor. Essa premissa também não pode ser satisfeita quando os pilotos ocupam a parte central da via, um atrás do outro. O papel do líder é estabelecer o ritmo da estrada, atentar para quaisquer eventos significativos e sinalizar quando necessário. O papel do motociclista que faz ala é apenas acompanhar as decisões do líder, observando que atitude toma e em que tempo, para que lhe sirva como exemplo. Ao longo da viagem, o líder pode – e deve – ceder sua posição ao menos experiente para que esse possa demonstrar suas capacidades, estando ainda sob guarda e cuidado do mais experiente. Nessa posição, o piloto mais experiente pode observar o comportamento do outro e eventualmente intervir de maneira rápida caso julgue que algo inapropriado tenha sido executado. A doutrina deve ser sempre espelhada na segurança.

Posicionamento na estrada
Quanto mais membros estiverem viajando juntos, mais lento será o deslocamento de todo o grupo. Grupos com mais de 20 motos quase sempre acabam se deslocando em velocidades inferiores às do fluxo ao seu redor. É importante que os organizadores desses eventos tenham ciência disso e tomem atitudes que visem a segurança de todos, bem como da projeção de uma imagem positiva do motociclismo.
Via de regra, em estradas de mais de uma pista, deve-se adotar a pista da direita para o deslocamento do grupo, utilizando-se a(s) pista(s) à esquerda para eventuais ultrapassagens, que porventura se façam necessárias. A exceção somente deveria existir caso a pista utilizada ofereça risco aos motociclistas, por defeitos, buracos ou excesso de sujeira na via.
Em estradas de pista simples, é importante que haja separação entre os pares para que outros veículos possam utilizar o espaço formado entre eles para escalar o grupo através de curtas ultrapassagens.
Justificativa: Se a via ocupada for a da esquerda, (estradas multi-pistas) em ritmo abaixo ao do fluxo, o grupo obriga a quem quer, e pode andar mais rápido, a executar ultrapassagens pela direita, o que é além de inseguro, proibido. Assim como é proibido pela nossa legislação bloquear a faixa da esquerda, sem ceder passagem. Se acontecer qualquer eventualidade, também será mais fácil migrar para o acostamento estando na pista da direita, do que se estivesse na pista da esquerda. Principalmente em grupos grandes.
Alguns grupos usam membros para auxiliar no processo de condução do grupo. Se for incumbido do papel, exija identificação apropriada, para que seja notado como tal pelos outros membros. Jamais trafegue com pisca-alerta ligado para cumprir essa função. Além de poder provocar confusão, é proibido trafegar nessas condições, estando sujeito à multa.
No caso das estradas de pista simples, um bloco sem separação entre os membros não oferece condição de ultrapassagem. Mais adiante, entenderá através de exemplos como isso afeta o tráfego e a imagem do motociclismo.

Separação
A separação adequada entre pares de motos é de dois segundos de distância. Esse é o tempo médio que um motorista/motociclista precisa para reagir a um evento inesperado, segundo estudos norte-americanos feitos na década de 1950 – e válidos até hoje. No entanto, em estradas de múltiplas faixas onde há pelo menos dez segundos de visão à frente, esse espaçamento pode ser inferior, mas ainda assim, tem de existir. A justificativa do procedimento reside na proposição de um eventual incidente que acarrete colisões posteriores, por falta de espaço e tempo para reação. O famoso engavetamento. A distância apropriada é obtida em função da velocidade, daí ser dada em tempo e não distância física. Para calcular a separação de dois segundos, basta notar um ponto fixo no solo por onde passou o par à sua frente e iniciar uma contagem mental. Caso chegue ao mesmo ponto dentro dos dois segundos, estará a uma distância adequada do grupo a frente. Caso passe antes de findar a contagem, estará próximo demais, exigindo maior afastamento. Com a prática, desenvolve-se o senso de distância apropriado para diferentes velocidades.

Imagem prejudicada
Agora, imagine-se em um carro, em uma estrada de pista simples e muitas curvas, chegando a um compacto grupo de motociclistas desenvolvendo uma média inferior à da estrada. Ao olhar o grupo, se não houver separação entre os pares, não encontrará oportunidade de ultrapassagem, pois o comprimento de todo o grupo inviabilizaria tal ação. Veja que imagem do motociclismo está sendo projetada! Temos de ter em mente que a via é de todos – ainda que alguns grupos se comportem como se fossem donos das estradas. É preciso exercer a cidadania e oferecer a oportunidade de passagem a quem assim desejar, pois as pessoas ao nosso redor não tem que ser forçadas a andar em nosso ritmo, se assim não desejam. Há ainda a questão da relação de proximidade com veículos com massa muito superior à nossa. Em caso de qualquer conflito, seremos sempre a parte mais fraca. Então porque criar esse tipo de situação desnecessariamente? A separação adequada, nesse caso, garante a possibilidade de um veículo mais veloz poder executar a ultrapassagem de pares, sem conflitar com o grupo. A pouca interferência que a ultrapassagem pode causar é apenas momentânea.

Velocidade
Infelizmente, não são apenas os grupos compactos e lentos que trazem problemas nas estradas e denigrem a imagem dos motociclistas. Grupos velozes, geralmente envolvendo motos esportivas, também pecam quando saem em bando e transformam nossas vias em suas pistas de corridas particulares. Se utilizassem a metodologia descrita acima, também se beneficiariam de uma pilotagem muito mais prazerosa e segura. Para esses grupos, a velocidade é o ponto crucial – velocidade de ultrapassagem, no caso. É preciso ter em mente que a ultrapassagem de qualquer veículo é sempre de responsabilidade daquele que se propõe a executar a manobra, devendo executá-la de maneira que seja segura pra si e para aquele que se esteja ultrapassando. Quando em grupo, a postura ideal é se aproximarem cuidadosamente do veículo que pretendem ultrapassar, como um par, usando de toda a largura da faixa. Assim que seja oportuno, ambos executariam a ultrapassagem como um carro faria, invés de ultrapassar um de cada vez com velocidade maior. O que se garante dessa diretriz é que haverá mais tempo para interação entre os motociclistas e motoristas, permitindo que haja ciência do que está para acontecer por todos os envolvidos, facilitando-se o processo. Os problemas começam a acontecer quando o tempo de interação diminui, em função de velocidades incompatíveis na aproximação. O pouco tempo acaba gerando manobras abruptas e de maior risco para todos.

Conclusão
É perfeitamente viável criar um ambiente seguro para motoristas e motociclistas quando algumas regras básicas de convívio e técnica de segurança são aplicadas. O que não podemos, nem devemos, é nos conformar com atitudes de poucos e depois padecer com políticas esdrúxulas formuladas em função dessa minoria.

Se você está em um grupo indo viajar de moto, questione os procedimentos que serão executados. Não se coloque em situação de risco porque alguém estabeleceu uma forma de conduta que não consegue justificar, ou que não lhe pareça segura. Opine, exponha suas dúvidas e critique procedimentos que não podem ser sustentados à luz da lógica. Viajar em grupo de moto é muito prazeroso – não permita que procedimentos equivocados, ou a falta dos mesmos, comprometam seu prazer e principalmente, sua segurança. Se ainda assim não conseguir modificar a forma como o grupo é conduzido, escolha um ou mais amigos que compartilhem de sua opinião e façam sua própria viagem. Mais cedo ou mais tarde, esses organizadores vão notar que o grupo não é mais um grupo, e terão de rever a forma como é conduzido.

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