quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Reencontrando o prazer da pilotagem


Existem outras formas de se deliciar com uma moto além da velocidade.

A escolha do tema dessa edição foi provocada por um evento infeliz ocorrido no último mês – mais um amigo subiu para o andar de cima de maneira prematura e infeliz. Mais um que abusou da sorte em lugar e hora inapropriados – mais um, entre tantos, que achou que só acontece com os outros – mais um que permitiu que a adrenalina dominasse o bom senso, tendo que pagar o preço...

Quem gosta da velocidade, adora a sensação da descarga de adrenalina que ela provoca. É viciante! É o tipo de coisa que uma vez descoberta, é difícil abandonar. Parece que toma integralmente seu corpo e sua mente e a única coisa existente é um sentimento de "quero mais e mais". Não notar essa transformação física e psicológica é um terrível erro, desses que se pagam com a vida. A sensação é a de se estar drogado por qualquer substância viciante, onde a única coisa importante é acelerar mais.

Ao longo dos anos, convivendo com as perdas a meu redor – sim, de pessoas conhecidas, não mais anônimos de quem se ouve falar – fui cada vez mais sendo tomado por essa latente necessidade de gritar a plenos pulmões "mas por que?" Aos poucos vou descobrindo que é da nossa natureza esse comportamento infeliz, e é perfeitamente compreensível: porque é bom demais! É gostoso poder exercer o controle sobre uma máquina que é capaz de nos levar a velocidades extremas, muito maiores àquelas para as quais nosso corpo e mente estão preparados, do ponto de vista evolucional.

Mas mesmo sendo ultra mega hiper gostoso, outros aspectos têm que ser levados em conta – afinal não nutro um irresistível desejo de morrer. Além do prazer oferecido pela velocidade e controle do equipamento, tenho outros aspectos da vida que também são fonte de prazer e satisfação, e são eles que de certa forma contêm meus abusos e excessos. Quanto mais me conheço e presto atenção em como me comporto, mais noto que apenas as outras fontes de satisfação não são suficientes para conter esse ímpeto de acelerar. É preciso mais.

Descobri que ao focar na qualidade da pilotagem que estou executando no momento modificou ligeiramente essa tendência de só virar o da direita. Prestando atenção em como me coloco encima da moto, aonde encaixo os pés, que ângulo minhas mãos fazem com as manoplas, para onde estou olhando, que pressão estou exercendo ao guidão e tantos outros aspectos da pilotagem, tem me permitido obter mesmo uma mudança comportamental, uma vez que a atenção à todos esses aspectos demanda tempo, impondo uma diminuição natural da velocidade. Notei que fazer as coisas com perfeição no comando de uma moto também pode ser uma fonte de prazer – talvez não tão enfática quanto a velocidade, mas com certeza mais saudável.

Hoje quando sento em uma moto, seja profissionalmente ou em momento de lazer, me preocupo em dar bastante espaço à esse sentimento de busca pela perfeição na pilotagem, mesmo sendo ela utópica. Ao procurar fazer todos os movimentos de maneira suave, precisa, com exata amplitude, exerço a atenção e principalmente, docilidade na operação de todos os comandos. Busco obter o máximo em suavidade no movimento, entendendo que ela é representante oficial de um centro de gravidade estável, derivando em um objeto dócil e previsível sendo comandado.

Dou muita ênfase à qualidade da visão que coleto a cada instante – olhar bastante à frente permite que tenha condições de julgar com melhor qualidade as situações com as quais terei que interagir, pois ganhei tempo para isso. Busco a todo instante maior "feeling" do comportamento dos pneus, dos freios, da ciclística. Levo a moto para inclinações desejadas com compenetração, seriedade, propósito. Tento sentir as particularidades do modelo, suas reações, suas respostas à meus comandos. Descobri nessa mudança de foco uma inesgotável fonte de satisfação, porque recebo em troca um movimento suave, totalmente na medida do que preciso e sem ter que "tirar suquinho" do equipamento.

Mas o poder da velocidade e a pressão que exerce sobre a psique é grande. Por vezes, mesmo cercando-se de todos os cuidados e focando na plena intenção de voltar inteirinho para casa, abusos acontecem. Outra medida eficaz que encontrei quando todo o resto falha, é me lembrar das pessoas amigas que partiram e em que condições ocorreu. Ao recordar de seus rostos, sorrisos e expressões – até mesmo em seu leito de morte – sou tomado por uma irresistível vontade de desacelerar. É um verdadeiro brochante. O exato "Viagra" ao contrário.

Espero que você, caro leitor, que tenha se identificado com esse sentimento, procure também o controle das próprias ações assim como procura o controle da máquina. Não permita que aqueles que o amam, tenham que sofrer a perda por conta de uma coisa que você poderia ter controlado – afinal de contas, quem manda em sua vida?

5 comentários:

  1. Adorei o seu texto traduz e transforma em palavras toda a responsabilidade de um verdadeiro motociclista!
    Parabéns e que essas palavras fortalecam a mente de novos e velhos companheiros independente do veiculo usado!

    Chega de violência no transito!

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  2. Leonardo Silva (São Luís - MA)16 de novembro de 2010 às 11:38

    Muito bom o texto Nenad! Traduziu tudo o que eu sinto quando piloto! Mais do que a velocidade, me preocupo mais com a qualidade e com a procura, cada vez mais, da perfeição na pilotagem. Creio, na minha concepção, que este deve ser o espírito do motociclista: Respeitando aos outros e a si próprio, além de ter, mesmo que com as coisas simples, ter o prazer de estar em cima de uma motocicleta e ter controle sobre esta. Abraços!

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  3. Realmente, "pilotar" num sentido maia completo é muito gratificante! Curtir a viagem, a estrada e a máquina são coisas muito gratificantes! Viva, aproveite a vida mais vivo do que nunca... em cima da sua máquina!

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  4. Quem manda em Nossa Vida queira os outros acreditando ou nao, é DEUS.

    Só que temos quer ser prudentes e pensar no que fazemos a nós mesmos.

    Bem vindo ao LIVRE-ARBITRIO.
    FELIPE

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  5. Muito interessante que o Dr° escreveu e descreve muito bem o risco que temos mesmo andando com prudência pois quem ama andar de moto corre o risco e não conseguimos resistir a essa aventura.

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