quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Embreagem e câmbio: busca por maior eficiência


O uso eficiente das marchas garante maior suavidade e precisão ao movimento, gerando controle e segurança.

Estatisticamente, noto que mais de 80% das pessoas que atendo em meu curso de pilotagem apresentam alguma deficiência na operação da embreagem e câmbio, motivo que me levou a escolher o tema desse mês, e tentar elucidar um pouco o procedimento da troca de marchas.

Análise
O motor possui câmbio para que possa transmitir sua energia para a roda em diferentes velocidades. Conforme a velocidade evolui, torna-se necessário engatar marchas mais “altas”, que permitem que as rotações do motor possam gerar maior velocidade na roda. Mas essa transição deve ocorrer de tal forma que retire o quanto menos da velocidade, em um tempo apropriado ao desempenho do motor.
A embreagem tem papel fundamental nessa troca, uma vez que é ela quem permite que o motor seja temporariamente desengatado do conjunto da tração e depois da troca efetuada, seja novamente incorporado ao movimento.
O uso coordenado dos respectivos comandos garante que a transição ocorra de maneira suave, gerando linearidade e constância no deslocamento.
Cada motor tem suas próprias características de desempenho. Uns privilegiam rotações mais baixas, outros de cunho mais esportivo, privilegiam as rotações mais altas. Essas características – entre outras – acabam determinando o tipo de câmbio que ele utilizará.
Na maioria das motos que possuem câmbio mecânico, as trocas de marcha são feitas coordenando-se a ação da mão e pé esquerdos – no entanto, para maior eficiência e suavidade, o acelerador também é usado em algumas instâncias. Analisando a ação de cada membro isoladamente, percebe-se que são movimentos com forças, amplitudes e propósitos distintos.

Energia no pé
O pé esquerdo tem o papel de levar a alavanca de câmbio para a posição seguinte, seja subindo ou descendo o escalonamento, cumprindo um determinado curso da sua posição de neutralidade para a posição de acionamento. Esse pedal foi construído de maneira a poder ser usado com certa energia, uma vez que no pé não temos movimentos tão precisos quanto na mão, além desse membro estar envolto normalmente em material que retira ainda mais a sensibilidade.
A maior deficiência que encontro por conta dessa operação é por constatar que somos seres simétricos. Normalmente o movimento que executamos com uma mão ou pé, tende a ser replicado no mesmo sentido e intensidade pelo lado oposto. Por utilizarmos o pé direito na operação do freio traseiro, e por ser mais delicado e crítico, tendemos a transpor a sensibilidade usada no comando, para o pé esquerdo também. Dessa forma, com excesso de delicadeza, o pé esquerdo acaba não cumprindo integralmente o curso necessário da alavanca, proporcionando um falso “neutro” entre marchas. A maioria dos motociclistas já passou vez ou outra por essa situação, mas não sabe explicar o porquê do acontecimento. Torna-se então necessário, que o pé seja treinado com a força e amplitude que lhe serão requeridas pelo processo. Bastam alguns minutos treinando especificamente essas trocas, prestando atenção ao movimento e força necessários para cumprir integralmente o curso do pedal, para re-calibrar o pé esquerdo.

Controle da embreagem
A embreagem é acionada através de um processo de alavanca. Como tal, requer também um entendimento de sua funcionalidade, para que possa ocorrer uma melhora na forma como é manuseada. O acionamento e retorno (apertar e desapertar da alavanca) determinam como a energia do motor está sendo incorporada ao movimento. O acionamento da alavanca significa a retirada da energia do motor enquanto o retorno à posição de descanso da alavanca, incorpora a energia do motor ao movimento. São ações distintas e devem ser usadas apropriadamente. O ato de apertar a alavanca pode ser feito de maneira rápida, enérgica, pois não prejudica tanto o deslocamento uma vez que a inércia que a moto obteve, suavizará essa brusca retirada de energia aplicada à roda.
Já para incorporar energia a um objeto em processo de desaceleração (que é o que acontece quando a embreagem está acionada), é preciso proceder de forma gradual, permitindo que aos poucos se ajuste ao deslocamento, sem provocar maiores oscilações do centro de gravidade. Portanto, a alavanca deve ser liberada de forma suave e progressiva. Busque sentir pelo comportamento da moto o quanto é necessário mover o manete para obter essa uniformidade.
Frequentemente me perguntam se a quantidade de dedos usados para acionamento interfere de alguma forma no controle. Se imaginarmos que temos a disposição quatro dedos para a execução dessa tarefa, o ideal é que todos sejam utilizados uma vez que a força disponibilizada será dividida entre os quatro, tornando a operação menos desgastante. No entanto, cabe uma ressalva importante: cada piloto encontra uma forma com que se sente mais confortável; uns usam dois outros três dedos. O importante é que tenha precisão no manuseio.

Metodologia
O uso do câmbio e embreagem se divide em duas tarefas: as mudanças para aumento de velocidade e as mudanças para redução da velocidade. Para as mudanças de aumento, ou “para cima” como também são descritas, não há necessidade de promover qualquer uso do acelerador durante o processo, uma vez que as rotações do motor que estão por vir são inferiores às praticadas até aquele momento. Já para as reduções, para a maioria das motos é funcional promover uma pequena aceleração no momento da troca, com o objetivo de elevar as rotações para o nível que se encontrarão quando a nova marcha for aplicada. Dessa forma a redução fica suavizada, promovendo menor oscilação do centro de gravidade. A cronologia desse evento ficaria assim:
1. O manete da embreagem é apertado.
2. O pedal de câmbio é acionado e simultaneamente o acelerador é aplicado em um movimento curto e rápido.
3. O manete da embreagem é gradativamente liberado.
O segredo da suavização na troca de marchas reside exclusivamente no controle da embreagem. Procura-se trabalhar um determinado ponto entre embreagem totalmente apertada e totalmente liberada. É o ponto dos 50%. Quando o manete se encontra nessa posição onde a moto está recebendo parcialmente a energia, mas ainda “patina”, obtém-se o melhor controle da moto, promovendo pouca transferência de peso, garantindo melhor equilíbrio.

Conheça sua moto
É importante “ouvir” o que o motor lhe pede em termos de marcha. As trocas mais suaves são sempre obtidas em regimes próximos ao do nível mínimo, ou marcha lenta. Quando o assunto é desempenho – e não suavidade – buscam-se as rotações mais próximas à sua faixa máxima de atuação, onde normalmente estão o melhor torque e potência. Nota-se, portanto, que existe uma troca, a da suavidade pelo desempenho, determinada pela intenção do piloto.
Com o avanço da tecnologia, essa atividade tende a se tornar obsoleta, sendo gradativamente substituída por câmbios automáticos inteligentes, que farão automaticamente essa tarefa – visto nos scooters de hoje. Com uma tarefa a menos na pilotagem, sobrará mais tempo para se focar em como interagir melhor com o meio. Enquanto isso...

Outras considerações
A eficiência nas trocas de marcha se resume – como para a maioria das coisas – em treino. A ação executada pela mão esquerda é única. Não existe outra atividade que exija esse tipo de movimento, por isso é necessário treinar a mão e fortalecer os dedos. Recomendo a compra de uma bolinha de espuma que facilmente pode ser encontrada em farmácias. Quando não estiver fazendo algo importante, exercite os dedos fortalecendo a musculatura para ganhar maior precisão no movimento. Treine o ponto dos 50% em uma subida moderada, como uma rampa, de forma a manter a moto parada apenas usando o motor e a embreagem. Tenha em mente que essa atividade provoca desgaste no conjunto e que deve ser usada com moderação, mas também tenha ciência da importância que o exercício tem, para melhorar o controle sobre a moto.

3 comentários:

  1. Parabéns pelo excelente post e pelo blog!!
    Abraços

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  2. Nenad, otimo texto, bastante esclarecedor. Mas cou alem; oque voce comenta sobre o nao uso da embreagem nas trocas de marcha?
    Eu estou fazendo uso desta prática em todas as reduzidas em alta, pois o motor engrena mais facilmente em minha opiniao. Para subir, estou usando normalmente, pois nao percebo perda de tempo do motor por puxar a embreagem.

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  3. A não utilização da embreagem só é válida como sinônimo de desempenho - ou seja, em contexto esportivo, onde se busca maior eficiência com menor perda de tempo. Para tanto, é válida para trocas de marcha crescentes, mas nas decrescentes a embreagem é utilizada para suavizar o impacto da desaceleração para a roda traseira, evitando uma possível derrapagem. É o contrário do que foi descrito, Rogério.

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