domingo, 22 de novembro de 2009

Anatomia das colisões

O estudo das colisões permite criar a metodologia necessária para evitá-las

Para prevenir todo tipo de acidentes motociclísticos é necessário estudar os fatores que contribuem ou determinam seu acontecimento. É imprescindível, para tanto, estudar como se desenvolve uma colisão e quais são os elementos presentes.

Estudando diferentes tipos de colisões, percebi que a grande esmagadora maioria poderia ter sido evitada, classificando como acidentes uma parcela muito pequena de eventos, onde não houve culpa a ser imputada – daí serem chamados acidentes.

Notei que todas as colisões tiveram em sua composição mais de um fator, e a combinação de elementos acabou sendo determinante para o resultado final. Dessa observância surge inevitavelmente a constatação de que se existe um acumulo de eventos, a identificação da progressão nessa soma de elementos pode ser vital para a interrupção dessa cadeia, impossibilitando a finalização em uma colisão. Mas antes, vejamos quais os elementos presentes, do ponto de vista da física do movimento.

Condições obrigatórias

Para que dois objetos possam colidir, é necessário que existam duas condições obrigatórias: rota convergente e velocidade entre os objetos. Esses elementos são como disse, obrigatórios, podendo existir outros contribuindo para o fato – mas sem um desses dois, de forma alguma é possível produzir uma colisão.

Ao analisarmos esses parâmetros, nota-se que se não houver uma convergência para um ponto em comum pelos objetos envolvidos, não há como existir qualquer forma de contato. Em outras palavras, dois veículos andando paralelamente jamais poderiam colidir, sem que um ou ambos alterassem sua trajetória, interferindo na do outro e criando um ponto de convergência – mesmo que a rota paralela seja de direções opostas, como em uma estrada de pista simples, por exemplo.

Da mesma forma, se a velocidade entre os objetos estudados for zero ou se a velocidade for de afastamento, jamais poderá ocorrer a colisão. A condição passa a existir apenas a partir do momento que há velocidade de aproximação entre eles. Isso quer dizer que pelo menos um deles, tem obrigatoriamente que estar se movendo. Digo um, porque o outro poderia estar parado e ainda assim se ver envolvido na colisão.

É importante notar que no caso de qualquer forma de impacto com uma moto, é irrelevante procurar culpados, porque o dano já estará feito com o prejuízo maior sendo do motociclista. Identificar culpados tem apenas o propósito de estudo do meio dinâmico para que outros possam se beneficiar a partir do conhecimento de como a situação se desenrolou. Esse estudo pode então ser usado para criar os mecanismos necessários para que as mesmas condições possam ser evitadas no futuro.

Elementos presentes

Na análise de uma enormidade de situações onde houve queda ou colisão com motos, pude constatar a presença constante de pelo menos um dos elementos abaixo:

  1. Obrigação
  2. Indecisão
  3. Confiança
  4. Exibição

O sentimento de obrigação com um evento alheio ao ato da pilotagem pode lhe pressionar psicologicamente para tomar decisões apressadas ou equivocadas. "Tenho que chegar até as 13:00 hrs", por exemplo. Acabamos por permitir que a necessidade de cumprir tal tarefa seja mais importante que o zelo pela própria vida, de maneira até inconsciente. Sempre que estiver envolvido em uma situação onde exista esse elemento de obrigatoriedade, lembre-se que nada é mais importante que a vida. Abdique de pensar no elemento gerador de pressão enquanto estiver pilotando – chegar atrasado é infinitamente melhor que não chegar.

A indecisão permite que seja criado um conflito interno que demanda tempo para solução. Frequentemente a dúvida surge em situações já críticas, onde tempo e decisão são fundamentais. Um motociclista não tem o luxo de ter dúvidas – tem que ter certeza das decisões tomadas, e mesmo que erradas, deve haver um comprometimento por uma solução única, seja qual for. Quando uma situação se apresentar de forma a ter mais de uma solução, opte sempre pela mais conservadora. Vamos a mais um exemplo: "O semáforo mudou para amarelo. Acho que dá pra passar." Um bom piloto não acha nada – tem certeza. Se existe qualquer dúvida, é porque devemos optar pela solução conservadora, nesse caso, abortar a passagem.

Ter confiança é necessário para a execução de praticamente todo tipo de tarefa, mas o acumulo de tarefas bem sucedidas, costuma gerar um excesso de confiança que passa a ser extremamente prejudicial. Em todos os acidentes envolvendo colisões e alta velocidade, o excesso de confiança está presente de alguma forma. Poeticamente, a moto sempre arruma uma maneira de nos lembrar que o aprendizado sobre ela é eterno, e quando achamos que sabemos alguma coisa, ela nos lembra de nossa frágil condição mortal. Não permita que sua pilotagem bem desenvolvida ofusque o bom senso impelindo-o na percepção de ser um super-homem, ou ter algum parentesco com Valentino Rossi. (Viva Vale! Nono título mundial!).

Querer mostrar ao mundo que somos bons no que fazemos é uma característica do ser humano, que no motociclista acaba por ficar muito mais veemente. Temos o ego um pouco mais inflado e acabamos por expressar isso de alguma forma, seja pela personalização da moto ou o estilo que pilotamos, entre outros artifícios demonstrativos. Devemos deixar a demagogia e encarar o problema com inteligência, primeiramente reconhecendo que o fato existe. Consciente da realidade, agora é preciso se conter no pensamento de superioridade que temos no comando de uma moto, e nos lembrar que vivemos em coletividade, onde o direito dos outros tem que ser respeitado também. Evite querer demonstrar aos outros sua perícia ou controle – contente-se em dar esse prazer apenas para si, e quando a situação for apropriada e não interferir no bem estar dos demais.

Passando a bola

Agora que percebe a enormidade de elementos que podem fazer parte do processo decisório que leva a uma colisão, é possível ver que se trata de uma cadeia de eventos e pensamentos. O segredo para ficar a salvo é identificar o acumulo desses pensamentos e atitudes negativas e interromper sua somatória. O ato da pilotagem é essencialmente um ato mental que é transformado em ato físico. Se o pensamento que o rege é correto e bem orientado, dificilmente o ato físico refletirá o contrário. Obviamente isso dá conta de suas ações, mas não resolve as ações dos outros de quais estamos todos à mercê. Lembre-se que quanto a isso, a única coisa que podemos fazer é a nossa parte, passando o conhecimento para quanto mais pessoas conseguirmos re-orientar. Eu estou fazendo minha parte – faça a sua e ganharemos todos.


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