quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Primeiros socorros


Veja as dicas de um médico motociclista sobre o que fazer e não fazer em acidentes motociclísticos

 
Convidamos para essa edição um médico motociclista, para nos orientar profissionalmente em como agir de maneira apropriada quando nos deparamos com um acidente motociclístico. Nessa instância será abordada a forma de procedimento caso não esteja envolvido, mas em condições de oferecer algum tipo de ajuda.

Nosso conviadado, Dr. Renato Chanquini, é ortopedista renomado além de viajante convicto, tendo percorrido grandes distâncias em viagens nacionais e internacionais com diferentes motos. Vejam o que nos diz:

Quem anda de moto sabe que o risco de se machucar em um acidente é significativamente maior com esse veículo, independente de envolver, ou não, outro tipo. Dependendo do local onde ocorra, a gravidade das lesões pode ser maior ou menor, variando desde apenas ralados em tombos ou colisões a baixa velocidade, à fraturas, amputações e até mesmo morte nos casos graves.

Mantenha a calma
Em primeiro lugar, devemos tentar manter a calma. Essa deve ser sua primeira atitude, lembrando que cada pessoa reage de maneira diferente e que é muito difícil manter se calmo diante destas situações. O susto, as perdas materiais, a raiva pelo ocorrido, vítimas em pânico, etc. – tudo colabora para que surjam reações intempestivas, mal pensadas, que normalmente só irão agravar uma situação que já não está nada bem.
Antes de agir, recobre a lucidez e reorganize os pensamentos. Pare, pense, respire fundo algumas vezes e tente avaliar a gravidade geral do acidente.
Se alguém já estiver ajudando, veja se entre as pessoas pode identificar um médico, bombeiro, policial, ou qualquer profissional que esteja acostumado a lidar com situações deste tipo. Se não houver alguém mais capacitado, talvez caiba a você assumir o controle da situação. Mesmo que não esteja preparado para tal, com calma é possível assumir uma postura ativa, controlando a situação, dentro do que julgar ser capaz de realizar. Nunca tome decisões para as quais não se julga capacitado. Em contra-partida, se o fizer, mostre firmeza em suas ações.

Organize o local de maneira a isolar o acidente para que não seja agregado maior perigo do que o já existente. Se houver outras pessoas no local, peça sua ajuda passando tarefas simples, evitando ficar discutindo o mérito ou culpa do acidente.

Garanta a sinalização no local 
Enquanto uma pessoa liga para o serviço de emergência , outra deve sinalizar o local apropriadamente, para minimizar a possibilidade de outros acidentes em função da diminuição da velocidade de fluxo. Manter o trânsito fluindo também permitirá que os veículos de socorro possam chegar rapidamente ao local. Quanto mais cedo chegar socorro profissional às vítimas do acidente, melhor , portanto solicite um o mais rápido possível. É prudente manter em fácil acesso numeros de telefone como o de bombeiros, SAMU e polícia rodoviária.
Seja conciso na chamada ao socorro oferecendo a maior gama possível de informações pertinentes – gravidade aparente do acidente, envolvendo que tipo de veículos, número de vítimas, tipo de ferimentos aparentes, se tem vazamento de liquidos, incêndio, etc. O atendente terá assim melhores condições para enviar a equipe apropriada para o local, otimizando os recursos.
A sinalização deve levar em conta a velocidade permitida no local, fazendo com que seja mais distante quanto maior ela for. Se a velocidade for de 40 km/h, por exemplo, a sinalização deve acontecer no mínimo a 40 passos largos do acidente – se for de 100 km/h, 100 passos, e assim por diante. Em caso de alguma forma de obstrução visual, como uma curva cega por exemplo, interrompa a contagem e retome após o obstáculo, permitindo que aquele que se aproxima seja informado a tempo das condições à sua frente.

O que é possível fazer para auxiliar as vítimas?

Se você não é um profissional de resgate, deve-se limitar a fazer o mínimo necessário com a vítima até a chegada do socorro. Infelizmente, vão existir algumas situações onde o socorro, mesmo chegando rapidamente com equipamentos e profissionais treinados, pouco poderá fazer pelo acidentado. Mesmo nestas situações difíceis, não se espera que você faça algo para o qual não esteja preparado ou treinado – mas existem outras formas de ajuda que contribuirão para que a situação não se agrave.
Após garantir a segurança do local do acidente, inicie o contato com a vítima ou vítimas. Informe à ela o que você está fazendo para ajudá- la – ouça e aceite suas queixas e a sua expressão de ansiedade, respondendo às perguntas com calma e de forma apaziguadora. Não minta e não dê informações que causem impacto ou estimulem a discussão sobre a culpa no acidente. Seja solidário e permaneça junto à pessoa em um local onde ela possa lhe ver, sem que isso coloque em risco a sua própria segurança. Alguns acidentados podem tornar-se agressivos, não permitindo acesso ou auxílio. Tente a ajuda de familiares ou conhecidos dela, se houver algum, mas se a situação lhe colocar de alguma forma em risco, afaste-se.

Impedindo movimentos da cabeça 

É procedimento importante e fácil de ser aplicado, mesmo em vítimas de atropelamento. Segure a cabeça da vítima pressionando a região das orelhas, impedindo a movimentação da cabeça. Se a pessoa estiver de bruços ou de lado, procure alguém treinado para avaliar se ela necessita ser virada e de como fazê-lo, antes do socorro chegar. Em geral ela só deverá ser virada se não estiver respirando. Se estiver de bruços e respirando, sustente a cabeça nesta posição e aguarde o socorro chegar.

Vítima inconsciente 

Ao tentar manter contato, faça perguntas simples e diretas como:
– Você está bem? Qual é seu nome? O que aconteceu? Você sabe onde está?
O objetivo dessas perguntas é apenas identificar a consciência da vítima. Ela poderá responder bem e naturalmente suas perguntas – o que é um bom sinal – mas poderá estar confusa ou mesmo nada responder. Se ela não apresentar nenhuma resposta demonstrando estar inconsciente ou desmaiada, mesmo depois de você chamá-la em voz alta, ligue novamente para o serviço de socorro, complemente as informações e siga as orientações que receber. Além disso, indague entre as pessoas que estão no local, se existe alguém treinado e preparado para atuar nesta situação. Em um acidente, a movimentação de vítima inconsciente e mesmo a identificação de uma parada respiratória ou cardíaca, exige treinamento prático específico.

Controlando uma hemorragia externa 

São diversas as técnicas para conter uma hemorragia externa. Algumas são simples e outras complexas devendo ser aplicadas por profissionais. A mais simples, que qualquer pessoa pode realizar, é a compressão do ferimento, diretamente sobre ele, com uma gaze ou pano limpo. Você poderá necessitar de luvas para sua proteção, para não se contaminar. Naturalmente você deverá cuidar só das lesões facilmente visíveis que continuam sangrando e daquelas que podem ser cuidadas sem a movimentação da vítima.
Só faça isso se você se sentir seguro. Jamais tente aplicar torniquete !

O que não se deve fazer 

Não movimente – não faça torniquetes – não tire o capacete de um motociclista. Não dê nada para beber.
Mesmo na tentativa de ajudar, com a melhor das intenções, movimentar a vítima pode agravar uma fratura no braço, na perna ou na coluna – ainda pode causar paralisia e até morte, pois há risco de lesão na medula, que é o canal de comunicação do nosso cérebro com o resto do corpo, controlando inclusive a respiração.

A mobilidade de membros fraturados pode causar a lesão de artérias, nervos e outras estruturas pois o osso fraturado é muito cortante. Nunca se deve tentar retirar o capacete de um motociclista, se você não tem treinamento para isso, pois as eventuais lesões na coluna podem ser extremamente graves – sem contar as lesões no crânio, principalmente se a pessoa estiver inconsciente. Aguarde o socorro especializado!
Não se deve dar nada para nenhuma vítima de acidente, pois além do risco de se aspirar o vomito, se ocorrer, estamos prejudicando ações com procedimentos cirúrgicos, onde para anestesia, exige- se jejum, inclusive de água.


Tenha em mente que mesmo uma pessoa treinada em primeiros socorros, deve aguardar o profissional que atenderá o acidentado. Como viu aqui, ainda assim é possível executar ações para minimizar as consequências desse acidente. Mesmo que ali esteja seu melhor amigo ou um familiar, mantenha a calma e não faça nada de ímpeto, pois muitas vezes, você poderá ser o agente agravante de uma lesão que, talvez, não fosse assim tão grave como parecia.
Respeite seus limites como piloto – não dirija sob efeito de drogas, álcool, ou qualquer substância que possa diminuir sua capacidade reacional. Preserve sua vida e a dos outros.



Dr. Renato Marques Chanquini, CRM 84823, é membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) sob o número 6372, além de experiente motociclista. Teve motos esportivas, off-road e hoje pilota uma BMW 1200 GS.

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