domingo, 23 de maio de 2010

Solidariedade tribal

Ser motociclista é muito mais que apenas andar de moto – é uma filosofia de vida

É de conhecimento geral que nós, motociclistas, somos uma "tribo" unida. Basta encontrarmos outro membro da "tribo" que muito provavelmente uma boa conversa se estabeleça – por um tempão. Temos curiosidade e legítimo interesse pelas experiências e histórias de outros motociclistas, mas não é só isso que nos une – temos um alto grau de solidariedade uns com os outros, e a grande maioria extende isso também à sociedade. Quando encontramos um motociclista em apuros, quer seja numa estrada, ou em uma avenida movimentada, sempre procuramos ver o que está acontecendo. Mesmo quando estamos dirigindo veículos de quatro rodas, é comum darmos aquela famosa "segunda olhadinha" quando cruzamos com um motociclista parado, aparentando estar com problemas.
Nem sempre é possível parar para ajudar, pois existem fatores que dificultam isso – desde uma agenda com horários apertados até a desconfiança da legitimidade do problema. Não se pode esquecer que a moto, devido a sua versatilidade, é frequentemente usada por bandidos em atos criminosos.

Mesmo assim, esse sentimento de ajuda, de solidariedade, acaba prevalecendo de alguma forma por ser decorrente das experiências de um moto viajante. É difícil encontrarmos algum motociclista com larga experiência em viagens que nunca tenha passado por um apuro ou auxiliado outros motociclistas nas mesmas condições. Talvez isso explique tambem a enorme quantidade de moto clubes, agregando indivíduos como membros que compartilham certa ideologia ou conduta. Como entidades, são as que mais contribuem em campanhas de arrecadação de alimentos, por exemplo.

Esse comportamento "tribal", solidário, é mais fácil de ser detectado em uma estrada – principalmente quando nos afastamos das principais e mais movimentadas. Talvez seja a solidão quando não se viaja em grupo ou os incontáveis quilômetros muitas vezes sem a infra-estrutura necessária, mas é notório que nosso senso de colaboração fica mais evidente nestas situações. Ver em apuros alguém que, dependendo das circunstâncias, poderia ser você mesmo, incomoda e nos impulsiona à agir. Em teoria, isso pode acometer qualquer pessoa, mas na prática, vemos isso acontecer com maior frequência com pessoas da nossa "tribo".

Quando mencionamos "nossa", não nos referimos apenas à motociclistas brasileiros - mas motociclistas de um modo geral. Quem já rodou pela América Latina - ou outros países - sem dúvida já compartilhou esse tipo de experiências com motociclistas de outras nacionalidades. Histórias não faltam – do nosso próprio grupo de colunistas, um foi ajudado por um motociclista argentino em plena Patagônia, enquanto outro, recebeu um grupo de alemães em sua cidade e forneceu-lhes auxílio mecânico para que pudessem seguir viagem. As histórias de ajuda mútua não são poucas e devem continuar se multiplicando, assim conseguimos espalhar os valores motociclísticos. Em nosso grupo, quase todos incluem no "kit de viagem" uma corda para reboque, uma mangueira para transferência de combustível e outros itens para usarmos quando auxiliamos alguém ou quando precisamos de auxílio.

Com o advento da internet e os diversos sites de relacionamento, ficou mais fácil contatar e conhecer outros motociclistas em diversas partes do planeta. Desta forma conseguimos facilmente estabelecer uma "rede de apoio" nas cidades por onde passaremos, além de encontrarmos amigos sempre dispostos à nos ciceronear por sua região. Da mesma forma, acabamos disponibilizando a recíproca para àqueles viajando por nossas "bandas".

Como o acesso a uma moto é cada vez mais fácil – impulsionado pelos preços mais acessíveis e pelos congestionamentos produzidos nas cidades – acabam surgindo também problemas inevitáveis, como os de segurança, por exemplo.

Devido a violência cada vez mais presente em nossas vidas, surgem dúvidas legítimas se devemos mesmo auxiliar um motociclista parado ou em nome da segurança pessoal, não o fazer. Uma dica importante é que uma motocicleta carregada de bagagens dificilmente será usada para um assalto, o que nos dá certa "segurança" na avaliação da situação e a consequente decisão de parar ou não para ajudar.

A facilidade de acesso à moto tambem trouxe para o cenário uma enorme quantidade de pessoas despreparadas e principalmente não familiarizadas com esses valores que nós, motociclistas mais antigos, cultivamos. Na maioria dos casos, não trazem consigo a bagagem de quem começou com motocicletas de pequena cilindrada e foi gradativamente ascendendo para maiores – não passou pelos apuros normais de quem se aventura por aí com motos pequenas e "velhas" e provavelmente não precisou tanto de apoio nas estradas.

Nostalgia à parte, a mensagem que queremos propagar é que a solidariedade que nos foi incurtida ao longo de anos de experiência – e tão rara nos dias de hoje – deve ser valorizada e difundida entre as novas gerações de motociclistas. Queremos manter vivo dentro de cada motociclista esse espírito humano que nos diferencia de outras tribos e até, quem sabe, do ser humano comum. Viva o motociclismo!

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