sexta-feira, 16 de julho de 2010

Reflexão sobre o processo de habilitação


Regulamentada a lei que obriga motofretistas e mototaxistas a fazer curso preparatório. Será que é suficiente?

Com a recente regulamentação sancionada, nessa edição deixarei as dicas de pilotagem para promover uma reflexão sobre a nova medida e o sistema adotado para habilitar novos motociclistas.

Resolução 350 do Contran
Essa resolução trata da regulamentação da profissão de motoboy, motofretista e mototaxista, estabelecida através da lei 12.009/2009. Em linhas gerais, estabelece que o candidato a profissional nessa area deve fazer um curso teórico e prático de 30 hrs. para se qualificar. Estabelece tambem os critérios mínimos como idade de 21 anos e no mínimo 2 anos de carteira de habilitação para quem deseja ingressar na atividade. Entre outros detalhes, também traz critérios técnicos para as motos como uso obrigatório de mata-cachorro e antena corta-pipa. Quem quiser saber mais a fundo sobre a lei e a regulamentação encontrará material vasto na internet.
A medida vem com atraso tentar diminuir números alarmantes que a maioria desconhece –estima-se que hoje no Brasil 23 pessoas perdem a vida por dia decorrentes de acidentes com motos. Além da tragédia humana, os acidentes provocam um custo social de aproximadamente R$ 28 bilhões por ano, segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Devido a forma como a estatística é produzida, especialistas na área tendem a externar que os números são realmente modestos, tratando-se na realidade de absurdos ainda maiores.

Mas aonde começa o problema?
Os dez anos de atividade que venho exercendo como instrutor de pilotagem permitiram que pudesse claramente ver o nível de despreparo dos motociclistas de uma maneira geral, e não somente dos que agora são tratados em lei.Notei que a fonte do problema é a forma como o motociclista – e também o motorista – são preparados para exercer a atividade, desde a base. A falta de educação para o trânsito a partir da escola fundamental é um dos fatores – apesar de estabelecido no novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a educação não é oferecida de maneira consistente pelo sistema educacional.
Não fosse falta suficiente, o formato utilizado para credenciar novos motoristas e motociclistas é falho em sua essência porque de fato não prepara nenhum dos dois a conduzir apropriadamente em condições reais. Apenas para se ter uma idéia, em nenhum momento do teste para habilitação de um motociclista lhe é pedido para executar uma frenagem emergencial. Ora, existe algo mais crítico que saber parar um veículo em movimento? Ainda mais um com tal capacidade de manobra? Na minha opinião, é uma das grandes falhas que podem ser apontadas para todo o processo de habilitação, mas nem de longe é a única. Considero inadimissível que o curso que habilita o indivíduo para conduzir uma moto, não tenha em seu programa sequer uma menção, quanto mais a explicação completa do princípio do contra-esterço – técnica utilizada por todos os motociclistas para promover e controlar a inclinação da moto, e portanto a curva. E por aí vai.
Estou retratando aqui a situação daquele indivíduo que se dá ao trabalho de enfrentar todo o processo de habilitação, cumprindo as aulas teóricas e práticas exigidas, uma vez que é de conhecimento geral que o processo pode ser burlado e a habilitação comprada. Várias reportagens investigativas demonstraram o fato em diversas ocasiões e lugares no país.

Calamidade
Com um sistema que mais parece um queijo suiço, de tantos buracos que tem, nem poderiam ser diferentes os resultados estatísticos. É um estado que beira à calamidade pública. Só não vê aquele que não quer, ou aquele que só tem interesse em enfiar um carnê de um veículo novo em seu bolso. Para ser justo, preciso mencionar que nem todos os fabricantes carecem de consciência, uma vez que exemplos existem. É o caso da poderosa Honda, detentora de mais de 80% do mercado e que oferece através de seus centros de treinamento cursos de condução segura. Mas é por consciência ou estratégia de liderança? Você, caro leitor, deve fazer seu próprio julgamento.

Reforma no treinamento
O que fica patente perante a situação é que o sistema que prepara uma pessoa para conduzir um veículo está necessitando de reformas urgentes. O estado deve retomar as redeas da situação, uma vez que é ele que concede a permissão para condução. Cabe-lhe promover o treinamento apropriado bem como se certificar que o candidato a motorista ou motociclista esteja de fato em condições para exercer a atividade através de examinação completa e profunda, antes de outorgar a licença para conduzir. É preciso se atualizar e compreender que existem motos muito distintas em termos de condução e que exigem treinamentos específicos. Não é possível admitir que um mesmo treinamento cumpra o necessário para se pilotar um CG e uma R1, por exemplo, - motos com capacidades tão distintas de produção. Fica evidente que categorias devem novamente ser implantadas, como foi há muitos anos atrás, mas por pouco tempo, porque no nosso mercado predominavam motos de uma mesma faixa de cilindrada. Hoje o acesso a equipamentos poderosos é mais fácil, e deveriamos ter separação por categorias como é feito em países com maior consciência da realidade motociclística.

Diferenças regionais
Outro aspecto que deve ser levado em consideração na reformulação são as diferenças regionais em termos culturais e de necessidade operacional. Não dá pra imaginar que um indivíduo no interior do Pará tenha que possuir a mesma compreensão do dinamismo do tráfego que um indivíduo que mora em São Paulo. São necessidades completamente diferentes, induzindo a idéia de que o treinamento não pode ser padronizado porque nivelaria, como de fato nivela hoje, todos por baixo. Esse disparate só pode ser contornado com a descentralização, oferecendo autonomia aos estados e municípios para alterarem seus programas de treinamento segundo sua realidade operacional, dando ênfase no treinamento aonde estão suas maiores fontes de acidentes. Seria uma maneira inteligente de preparar futuros condutores em função do meio em que operam, alem do equipamento que utilizam.
Parece enfim que estamos caminhando na direção evolutiva – meio que aos trancos e barrancos – mas estamos. Taí a nova legislação para o profissional da motocicleta, oferecendo-lhe um treinamento que se tivesse lhe sido dado quando de sua habilitação, não haveria porque existir agora. Como sei que estamos evoluindo? Ora, não é preciso ser muito esperto para notar que o estado só se move quando aperta o bolso, e infelizmente são nossas vidas que fazem esse bolso doer. Muitos ainda irão morrer até que o preço pago seja suficiente para que o estado e seus tão competentes políticos tomem ação e modifiquem a estrutura de preparo dos condutores para refletir a priorização da segurança da vida humana – mas estamos chegando lá. Ninguem mais pode ignorar o crescimento do motociclismo no país, e nem quanto isso custa.

3 comentários:

  1. Belíssima analise, Nenad!
    O sistema de formação de novos motoristas e pilotos no Brasil pode ser considerado um absoluto descaso para com a vida!
    Nossos pilotos não tem uma formação de base, mas apenas uma noção de algumas regras de trânsito que são infringidas desde o momento em que muitos deles acabam de sair da auto-escola!
    Quem foram as pessoas que redigiram essas regras?
    Quais as suas formações técnicas?

    Enfim, uma vergonha para nosso País (mais uma)!

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  2. Muito bom Nenad !!!!
    Ao meu ver exitem medidas a serem tomadas para longo, medio e curto prazo:
    Longo: Educação de transito nas escolas
    Médio: Cursos mais especificos de habilitação
    Curto: Fiscalização e equipamentos proteção individual

    Mas é claro que tapar todos os buracos do queijo ou pelo menos a maioria é uma missão extremamente difícil.... FLW

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  3. Leonardo Silva (São Luís - MA)27 de outubro de 2010 às 18:17

    Gostei da análise Nenad. Principalmente no que diz respeito à expedição de autorização para pilotagem por categorias. Creio que dessa maneira os acidentes seriam reduzidos, pois o condutor sairia da auto-escola com a mínima noção de segurança e de manobra de máquinas mais potentes. Abraços

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