quinta-feira, 24 de julho de 2008

Dominando a inclinação


O controle da inclinação de uma moto é parte fundamental do processo de execução de uma curva

É um absurdo que a maioria dos motociclistas não tenha ciência da técnica responsável pelo controle e manutenção da inclinação de uma moto. Essa informação vital deveria ser de domínio público, sendo utilizada para treinamento de todos os que desejam pilotar uma moto. Por razões que não consigo compreender, a técnica do contra-esterço ainda é mistificada e mal esclarecida mesmo no meio profissional. Por isso – mais uma vez – achei oportuno tratar desse assunto, que apenas pelo seu entendimento, já possui o poder de melhorar consideravelmente o controle de qualquer moto em curva.

Porque inclinar?
A primeira consideração a ser feita é sobre a necessidade que uma moto tem de se inclinar. Para compreender o processo, farei a comparação com um carro: quando esse faz uma curva, toda a carroceria se inclina para o lado externo, inclusive as rodas. A única coisa que evita com que ele capote, é o seu peso distribuído de forma desigual nas quatro rodas – as do lado externo ficam mais carregadas que as do lado interno. Se a velocidade impressa na curva gerar energia superior ao seu peso, ele capotará.
A moto não possui esse peso contrabalançando a energia que a expele para fora – chamada de força centrífuga. Para anular essa força e promover uma curva propriamente dita, a moto conta apenas com seu próprio peso e de seu piloto. Ao ser inclinada para dentro, estará neutralizando a energia que a expele, possibilitando assim a execução da curva. Mas essa é uma força dinâmica – sua intensidade é proporcional à velocidade e peso da moto. Quanto menor a velocidade e peso, menor é a necessidade de inclinação; conseqüentemente, quanto maior a velocidade, maior a necessidade de se inclinar em um mesmo raio de curva.

Forças físicas
A técnica do contra-esterço é a forma com que o guidão é manipulado para se obter essa inclinação. Mas antes de descrever a técnica é preciso esclarecer as forças atuantes, para compreensão do conceito.
Uma massa impulsionada em uma direção, tende a permanecer nessa direção até que as forças sobre ela cessem, ou se modifiquem. Isso é chamado de inércia. A moto toca o solo, que é seu principal ponto de atrito, unicamente em dois pontos: a roda dianteira e a traseira. Quando estão alinhadas, nenhuma força lateral existe e a moto permanece na vertical com o rumo que lhe foi dado. Mas quando a roda dianteira é apontada para outra direção, a inércia continua querendo impulsionar a massa para onde foi inicialmente apontada. Por a roda estar apoiada no solo na parte de baixo, a massa tende a se dobrar por cima desse ponto de apoio que oferece resistência por atrito. Isso faz com que a roda se incline para o lado oposto à direção que lhe foi imputada através do guidão. Note que direção não é o mesmo que inclinação. Apesar de comandar o guidão para a direita, por exemplo, a ação da física fará com que a moto se incline para a esquerda, e a conseqüência dessa inclinação será uma curva à esquerda.

Experiência
É. Eu sei. Difícil de acreditar. Mas aqueles que já praticam conscientemente o manuseio do contra-esterço podem confirmar seu funcionamento. Para os incrédulos, proponho uma experiência elementar de pouco risco que ajudará no convencimento:
Escolha um trecho de reta ou até mesmo uma curva suave onde possa desenvolver cerca de 60 Km/h. Ao atingir a velocidade, retire a mão esquerda do guidão, libere o acelerador e ainda com a mão direita no punho, pressione o guidão em direção a extensão de seu braço. É como se o tivesse empurrando para a esquerda. Verá que a moto começa a se inclinar para a direita dando início a uma curva nesse sentido. Faça o mesmo procedimento, mas agora invés de empurrar o guidão, tente puxá-lo para si, ainda usando a mão direita. Observará que a moto irá se inclinar para a esquerda, mesmo tendo sido o guidão apontado para outra direção.
Estipulei o parâmetro de execução com apenas uma das mãos no comando, para que pudesse perceber mais claramente a intensidade da força e em que direção ela atua. Pelo mesmo motivo estipulei a velocidade. É preciso notar que a força necessária para o contra-esterço também é dinâmica. Quanto menor a velocidade, menor a energia necessária, e vice-versa. Observe que a partir do início do movimento existe inércia; se existe inércia, existe contra-esterço – em baixas velocidades não é tão notório, mas isso não quer dizer que não exista. Mas não acredite em mim – teste o experimento. Acredito que ficará surpreso com a facilidade que passará a ter em inclinar a moto.

Falta de percepção
Mas porque não percebemos essas forças antagônicas instintivamente? São dois os fatores principais: por operarmos o guidão com ambas as mãos, diluímos a energia entre as duas, não percebendo qual é a mão que puxa e qual a que empurra o guidão. Afinal, são gestos sutis. Já em movimento, a amplitude de ação do guidão se restringe cada vez mais com a velocidade, e não vemos fisicamente o guidão se virar para qualquer lado, dando a impressão – quando aplicamos energia a ele – que essa é feita no mesmo sentido da curva. Um terceiro elemento ligado a nossa psique pode ser acrescentado a essa percepção: temos dificuldade em aceitar que direita virou esquerda e vice-versa. Mas fique tranqüilo – em pouco tempo de uso consciente, o cérebro já armazenará a informação de forma apropriada e se tornará uma segunda natureza.

Erro comum
A maioria dos motociclistas tem um conceito equivocado de que a inclinação do corpo para dentro da curva é o que provoca a inclinação da moto. Se a transferência de peso para dentro da curva é o que produz a inclinação, como um piloto off-road poderia produzir aquelas inclinações que vemos em competições desse tipo, onde a moto está inclinada em relação ao solo, mas o corpo do piloto está praticamente na vertical, em total oposição angular com a moto? E geralmente nesses casos, a perna do lado de dentro da curva se encontra fora do estribo, fazendo uma linha paralela com o eixo dos garfos, pronta para ser usada em caso de necessidade de apoio. Essa observação desmonta completamente a teoria de que basta se inclinar para o lado da curva para que a moto também se incline. O que acontece de fato é que a transferência de peso, tanto para dentro quanto para fora da curva, tem tão somente o papel de gerenciar o centro de gravidade, com determinado propósito.

Contra-esterço
Uma vez que comece a experimentar o controle da inclinação através do contra-esterço de forma consciente, perceberá seu dinamismo. Observará que enquanto mantiver pressão no guidão, a moto continuará a se inclinar. Quando atingir a inclinação desejada, a força sobre o guidão diminuirá, mas não cessará. No momento de proceder para a vertical, as forças sobre as manoplas se inverterão, forçando o guidão para dentro da curva, e com isso, verticalizando a moto. Também notará que quanto maior energia utilizar no contra-esterço, maior velocidade de inclinação terá; ou seja – atingirá o limite mais rápido. Experimente e comprove!

11 comentários:

  1. Olá Nenad,
    Não sei se compreendi bem, em uma curva à direita, institivamente estarei fazendo maior força com o punho direito. É isso mesmo ?
    Parabéns pela matéria.
    Reinaldo

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  2. Isso aí Reinaldo.
    A obtenção da inclinação para a direita se dá ao aplicar força para a esquerda, nesse caso a mão direita vai empurrar o guidão direito, promovendo a inclinação que resultará em uma curva à direita.
    Como disse na matéria, a grande vantagem está em se fazer isso conscientemente, reprogramando seu cerebro e fazendo com que o ato se torne uma segunda natureza. Na hora "H" com certeza fará a diferença.
    Abraço,
    Nenad

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  3. Olá Nenad! Tenho uma dúvida. Já faz um tempo que experimento o contra-esterço e vejo que é uma maneira mais eficaz para se fazer a curva. Porém, tenho um certo receio em fazê-lo em dias de chuva. Se eu fizer o contra-esterço em pista molhada, a motocicleta pode derrapar? Desde já, agradeço a sua atenção.

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  4. Olá Leonardo,
    Obrigado pelo incentivo em seus comentários.
    O contra-esterço é a única maneira de controlar a inclinação da moto, seja em que circunstância for. Você faz o tempo todo, mas como coloquei na matéria, por vezes não se tem consciência que está fazendo. Vale para todas as circunstâncias, inclusive chuva.
    O que determina a capacidade de aderência dos pneus nessa instância são outros aspectos. (veja a matéria sobre chuva).
    Respondendo sua pergunta, se a moto derrapar, será por uma somatória de fatores, e sua ação através do contra-esterço pode fazer parte desses fatores, mas jamais será o determinante para a perda de controle - Pelo contrário, é o que mais ajuda a manter o controle da moto.
    Abraço!

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  5. É perfeito esse contra-esterço,já conheço e faço há algum tempo e além de ser muito exato,deixa a curva perfeita....
    Abraço,

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  6. Nenad essa semana tive a felicidade de andar em Interlagos, tenho uma bandit 650, ficou a duvida, pois fiz varios testes, pendulando e no contra - esterço. Queria saber sua opnião sobre essa moto, pois ainda não estou me achando.
    Tem hora que acho melhor só contra esterçar e fazendo no pendulo sobra mais pneu para ir mais rápido só que ainda não sou um piloto veloz, fiz tempo de 2.30.. Qual é a sua opnião sobre essa moto.


    Abraço

    Marcelo

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  7. PS: No pendulo tb contra esterçava. Só que com menos intensidade.

    Marcelo

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  8. Referenciado em
    http://motofronteira.blogspot.com/2011/01/as-curvas-e-o-contra-esterco.html

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  9. Att Marcelo- Bandit 650

    Olha Marcelo, algumas coisas a que se referiu não procedem. O contra-esterço é a única forma de controlar a inclinação da moto, portanto, usa sempre. O que me parece é que ainda tem dúvidas quanto ao procedimento, por isso ainda detem a imagem de fazê-lo esporadicamente. Quanto ao pêndulo, ele é mais pertinente em motos esportivas, não querendo dizer com isso que não pode ou deve ser usado em ambiente apropriado tambem com uma naked. So não é a moto ideal para essa prática.
    O tempo que virou ainda é de quem está dando os primeiros passos em uma pista. Sua preocupação nas próximas idas não deve ser com ele - tente decorar a pista, marcar os pontos de troca de marcha, entrada de curva, ponto de tangência e saída. Isso é muito mais importante agora do que procurar seu melhor tempo.
    Lembre-se de que ninguém nasceu sabendo - todos tiemos que trilhar o caminho das pedras. Busque aprimoramento de forma sensata e comedida e terá horas a fio de lazer e adrenalina. Abraço!

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  10. Olá Nenad,
    Parabéns por seu trabalho impecavelmente excelente de seu Blog e sua vida, que conheci nesses últimos dias!..
    Você pode esclarecer uma dúvida? Procede a informação de quê nos pneus das esportivas a área de aderência/contato se torna maior quando a moto está inclinada, devido ao perfil do pneu? E que quando se está com a moto em pé a área de contato é menor, por estranho que pareça? Sendo isso verdade, com todos os demais procedimentos corretos (asfalto, temperatura, aceleração, velocidade, tomada, etc.) Isso pode psicologicamente fornecer mais confiança?

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    Respostas
    1. Olá Fábio,
      obrigado pelos elogios e pelo prestígio do meu trabalho.
      A informação que tem a respeito dos pneus é correta. Há ainda a questão da deformação que o mesmo sofre devido ao ângulo de atrito, o que ajuda a aumentar a área de contato.
      Já quanto a confiança, não sei se ter esse conhecimento aumenta a confiança. Acho que ela advêm da experiência, do treino. Quanto mais se experimenta diferentes parâmetros de um procedimento, mais amplos são os valores obtidos, permitindo sempre uma pilotagem mais refinada.
      Talvez goste do que escrevi em ¨Explorando limites¨ (http://cursodepilotagem.blogspot.com.br/2009/04/explorando-os-limites.html).
      Abraço!

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