segunda-feira, 25 de junho de 2012

Mudanças no horizonte?


O setor motociclístico discute mudanças necessárias para o aumento da segurança no trânsito

No final do mês de Maio, a ABRACICLO (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares) promoveu um workshop para discutir com alguns setores da sociedade e autoridades, o futuro do ciclismo e motociclismo no país. O foco desse terceiro workshop organizado pela entidade foi a década mundial de segurança no trânsito, e mais especificamente, a inserção de ciclistas e motociclistas no contexto da segurança viária. A organização do evento apenas pecou na forma como promoveu os diversos painéis, pois não permitiu uma maior interação do publico técnico e imprensa especializada que ali estavam – ávidos para comentar e discutir diversos pareceres. O que ficou claro no encontro é que existem sim, pessoas e grupos de pessoas, preocupados com a forma negligente que o governo trata a questão da segurança no trânsito – em todos os níveis.

O primeiro painel discutiu como viabilizar o uso da bicicleta em centros urbanos. Diversas opiniões foram externadas para solucionar problemas pontuais, mas o maior foco acabou incidindo sobre a questão da educação deficitária – de todos os participantes do trânsito. Infelizmente, ninguém levantou a questão dos deveres de um ciclista, e de como incluir um participante ativo do trânsito que não pode ser responsabilizado e punido quando estiver em falta com o cumprimento das regras estabelecidas. Assim como o pedestre, o ciclista parece apenas ter direitos, porque deveres, não há como fiscalizar ou reprimir caso não sejam cumpridos.
Em outro painel, médicos do Hospital das Clínicas em São Paulo estão desenvolvendo um projeto em parceria com a CET para levantar dados concretos de acidentes envolvendo motociclistas. Esses dados devem servir de base na elaboração de diretrizes e campanhas para diminuir tanto os acidentes quanto conseqüências desses, que hoje já são um problema de saúde pública. Ainda bem que pessoas lúcidas lideram esse projeto, mas tenho dúvidas se de fato conseguirão levar a cabo os ideais propostos. Desejo-lhes sorte.
Outros assuntos, como o papel da fiscalização de trânsito no comportamento dos condutores e como esses devem modificar seus atos para gerar um trânsito mais seguro, também foram explorados pelos painéis. No meio de gente retrógrada e míope quanto às necessidades técnicas e operacionais de uma moto, algumas pessoas externaram opiniões sensatas e coerentes, deixando-me com a perspectiva de que nem tudo está totalmente perdido. Existem cabeças pensantes emitindo opiniões pertinentes em um meio pautado pela política.
O assunto que mais me interessava ouvir opiniões foi tratado no painel que discutiu a alteração no processo de habilitação. Não é preciso ser nenhum gênio para notar que a má formação de condutores e instrutores é um dos maiores problemas que terão de ser enfrentados – mais cedo ou mais tarde. O exame hoje aplicado ao futuro motociclista durante o processo de habilitação foi formatado há mais de trinta anos. De maneira alguma reflete a realidade operacional a qual o candidato está sujeito em seu dia-a-dia. Por outro lado, nem aquele que o preparou recebeu informações pertinentes e atuais para passar adiante. Tampouco o motorista, que não recebeu em seu preparo informações de como lidar com a moto no trânsito, ou das necessidades de espaço, distância e velocidade para interação que esse veículo demanda.
Em suma, está tudo errado e o reflexo está na quantidade de vidas ceifadas pelo trânsito no apogeu da produtividade. E o que fazer?

Assim como os ilustres participantes do workshop, estudo a matéria em profundidade há anos. Sinto-me na obrigação de partilhar a visão constituída ao longo do tempo com o objetivo de somar esforços para que mudanças reais possam ser atingidas. E são muitas, as necessárias.

Legislação
Comecemos pela legislação. Se somos todos pedestres frente ao trânsito, e se perante a lei somos todos iguais e temos os mesmos direitos e deveres, no contexto do trânsito deveria haver a mesma equiparação. Apenas motoristas e motociclistas estão sujeitos à regras e conseqüentes punições no caso de quebra dessas regras. O pedestre e o ciclista não podem ser punidos por eventuais faltas que cometem. Como exemplo, cito um caso que presenciei há algumas semanas: Um motociclista estava prestes a executar uma conversão em uma rua que possui faixa de pedestres e semáforo para o mesmo. O farol se encontrava aberto para o motociclista que havia sinalizado apropriadamente a intenção de entrar na rua, estava em velocidade pertinente e não havia qualquer obstrução visual de sua trajetória. Prestes a passar pela faixa, uma senhora falando ao celular iniciou travessia a pé em pleno sinal vermelho para ela, de costas para o tráfego, exatamente à frente da moto. O motociclista conseguiu ainda evitar o atropelamento em um movimento brusco e rápido demonstrando estar atento à situação. Infelizmente para ele, a nova trajetória o colocou de encontro a uma mancha de óleo, que o fez derrapar e cair. A causadora do acidente nem sequer parou a conversa no telefone e continuou seu caminho depois de fazer um gesto obsceno para o motociclista caído. E agora? Essa pessoa não deveria ser responsabilizada pelo que causou?
A legislação deveria contemplar casos como esse, e tantos outros, punindo com rigor quem causa um incidente – seja motorista, motociclista, ciclista ou pedestre. A certeza da impunidade é um dos agentes causadores do desrespeito para com o próximo.

Preparo
O preparo para o trânsito deveria se iniciar no seio familiar, mas a formalização dessa educação deveria acontecer já no ensino fundamental. É imprescindível que os jovens sejam munidos de informações de como atuar no trânsito, pois em breve tornar-se-ão motoristas, motociclistas, ciclistas ou apenas pedestres – mas de qualquer forma, terão de conviver com outros no contexto de trânsito. Aqueles que pretenderem se habilitar, a partir dos 16 anos deveriam ter a oportunidade de serem expostos à instrução específica da condução, tanto teórica quanto prática, em ambientes fechados e controlados, sob supervisão profissional.
O programa de instrução deveria ser todo reformulado para tratar da interação de todos os participantes do trânsito assim como das particularidades operacionais de cada tipo de veículo. No caso das motos, o programa jamais poderia deixar de conter informações sobre como obter e controlar a inclinação de uma moto, como otimizar os recursos da visão para uma melhor e selecionada coleta de informações, ou como obter uma frenagem de máximo desempenho (emergencial) – entre outros temas relevantes.

Habilitados
Os que já são habilitados, deveriam se submeter a uma rigorosa reciclagem para adquirir conhecimento a respeito da funcionalidade de outros veículos – assim como de suas capacidades de manobra, pois grande parte das colisões tem como componente um julgamento equivocado do que o outro pode produzir em termos de movimento.

Fiscalização
Com uma frota e território grandes como o nosso é impossível o poder público fiscalizar tudo, o tempo todo. Novamente, a legislação deveria ser adaptada para que o cidadão comum pudesse prover provas de infração através de vídeos/fotos ou qualquer outra forma conclusiva, de ato que ferisse a legislação de trânsito, transformando todos em agentes de fiscalização. Por mais utópico que possa parecer, poucos se negariam a fiscalizar um trânsito que tira a vida de aproximadamente 40.000 pessoas por ano no Brasil – ainda mais que um desses, pode facilmente ser um filho ou parente próximo.

Penalidades
As penas para os crimes de trânsito deveriam endurecer dramaticamente. A confiança de que nada atinge o individuo infrator – e mesmo que atinja, não o faz de maneira contundente – traz a percepção de que pode se atuar no trânsito da forma que bem se quer. Com a certeza de punição rigorosa, o individuo tende a modificar seu comportamento. É preciso tornar o crime de trânsito algo pelo qual não valha a pena se arriscar.

A conclusão dessa singela reflexão é que por mais bem intencionadas que as pessoas do setor sejam, nada será modificado a curto e médio prazo. Salta aos olhos a noção de que é preciso uma imensa vontade política para reverter esse quadro medonho de matança em nossas ruas e estradas.
De uma coisa tenho certeza: o governo atual não se comprometerá com mudanças tão profundas e caras, ainda mais em uma época de incertezas econômicas. Quem sabe os próximos governantes se posicionem de uma forma mais contundente frente ao problema. E nesse aspecto, todos nós podemos e devemos interferir – basta que preste muita atenção em quem vai  votar nas próximas eleições. É preciso que todos se mobilizem para cobrar dos futuros eleitos, ações que de fato mudem esse quadro. Não dá mais para conviver com políticos medíocres, que apenas se auto-promovem através de projetos de lei esdrúxulos, sem qualquer embasamento técnico. E boa sorte pra todos nós!


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