O setor motociclístico discute mudanças
necessárias para o aumento da segurança no trânsito
No final do mês de Maio, a ABRACICLO (Associação
Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas
e Similares) promoveu um workshop para discutir com alguns setores da sociedade
e autoridades, o futuro do ciclismo e motociclismo no país. O foco desse
terceiro workshop organizado pela entidade foi a década mundial de segurança no
trânsito, e mais especificamente, a inserção de ciclistas e motociclistas no
contexto da segurança viária. A organização do evento apenas pecou na forma
como promoveu os diversos painéis, pois não permitiu uma maior interação do
publico técnico e imprensa especializada que ali estavam – ávidos para comentar
e discutir diversos pareceres. O que ficou claro no encontro é que existem sim,
pessoas e grupos de pessoas, preocupados com a forma negligente que o governo
trata a questão da segurança no trânsito – em todos os níveis.
O primeiro painel discutiu como
viabilizar o uso da bicicleta em centros urbanos. Diversas opiniões foram
externadas para solucionar problemas pontuais, mas o maior foco acabou
incidindo sobre a questão da educação deficitária – de todos os participantes
do trânsito. Infelizmente, ninguém levantou a questão dos deveres de um
ciclista, e de como incluir um participante ativo do trânsito que não pode ser
responsabilizado e punido quando estiver em falta com o cumprimento das regras
estabelecidas. Assim como o pedestre, o ciclista parece apenas ter direitos,
porque deveres, não há como fiscalizar ou reprimir caso não sejam cumpridos.
Em outro painel, médicos do Hospital das
Clínicas em São Paulo estão desenvolvendo um projeto em parceria com a CET para
levantar dados concretos de acidentes envolvendo motociclistas. Esses dados
devem servir de base na elaboração de diretrizes e campanhas para diminuir
tanto os acidentes quanto conseqüências desses, que hoje já são um problema de
saúde pública. Ainda bem que pessoas lúcidas lideram esse projeto, mas tenho
dúvidas se de fato conseguirão levar a cabo os ideais propostos. Desejo-lhes
sorte.
Outros assuntos, como o papel da
fiscalização de trânsito no comportamento dos condutores e como esses devem
modificar seus atos para gerar um trânsito mais seguro, também foram explorados
pelos painéis. No meio de gente retrógrada e míope quanto às necessidades
técnicas e operacionais de uma moto, algumas pessoas externaram opiniões
sensatas e coerentes, deixando-me com a perspectiva de que nem tudo está
totalmente perdido. Existem cabeças pensantes emitindo opiniões pertinentes em
um meio pautado pela política.
O assunto que mais me interessava ouvir
opiniões foi tratado no painel que discutiu a alteração no processo de
habilitação. Não é preciso ser nenhum gênio para notar que a má formação de
condutores e instrutores é um dos maiores problemas que terão de ser
enfrentados – mais cedo ou mais tarde. O exame hoje aplicado ao futuro
motociclista durante o processo de habilitação foi formatado há mais de trinta
anos. De maneira alguma reflete a realidade operacional a qual o candidato está
sujeito em seu dia-a-dia. Por outro lado, nem aquele que o preparou recebeu
informações pertinentes e atuais para passar adiante. Tampouco o motorista, que
não recebeu em seu preparo informações de como lidar com a moto no trânsito, ou
das necessidades de espaço, distância e velocidade para interação que esse
veículo demanda.
Em suma, está tudo errado e o reflexo
está na quantidade de vidas ceifadas pelo trânsito no apogeu da produtividade.
E o que fazer?
Assim como os ilustres participantes do
workshop, estudo a matéria em profundidade há anos. Sinto-me na obrigação de
partilhar a visão constituída ao longo do tempo com o objetivo de somar
esforços para que mudanças reais possam ser atingidas. E são muitas, as
necessárias.
Legislação
Comecemos pela legislação. Se somos
todos pedestres frente ao trânsito, e se perante a lei somos todos iguais e
temos os mesmos direitos e deveres, no contexto do trânsito deveria haver a
mesma equiparação. Apenas motoristas e motociclistas estão sujeitos à regras e
conseqüentes punições no caso de quebra dessas regras. O pedestre e o ciclista
não podem ser punidos por eventuais faltas que cometem. Como exemplo, cito um
caso que presenciei há algumas semanas: Um motociclista estava prestes a
executar uma conversão em uma rua que possui faixa de pedestres e semáforo para
o mesmo. O farol se encontrava aberto para o motociclista que havia sinalizado
apropriadamente a intenção de entrar na rua, estava em velocidade pertinente e
não havia qualquer obstrução visual de sua trajetória. Prestes a passar pela
faixa, uma senhora falando ao celular iniciou travessia a pé em pleno sinal
vermelho para ela, de costas para o tráfego, exatamente à frente da moto. O
motociclista conseguiu ainda evitar o atropelamento em um movimento brusco e
rápido demonstrando estar atento à situação. Infelizmente para ele, a nova
trajetória o colocou de encontro a uma mancha de óleo, que o fez derrapar e
cair. A causadora do acidente nem sequer parou a conversa no telefone e
continuou seu caminho depois de fazer um gesto obsceno para o motociclista
caído. E agora? Essa pessoa não deveria ser responsabilizada pelo que causou?
A legislação deveria contemplar casos
como esse, e tantos outros, punindo com rigor quem causa um incidente – seja
motorista, motociclista, ciclista ou pedestre. A certeza da impunidade é um dos
agentes causadores do desrespeito para com o próximo.
Preparo
O preparo para o trânsito deveria se
iniciar no seio familiar, mas a formalização dessa educação deveria acontecer
já no ensino fundamental. É imprescindível que os jovens sejam munidos de
informações de como atuar no trânsito, pois em breve tornar-se-ão motoristas,
motociclistas, ciclistas ou apenas pedestres – mas de qualquer forma, terão de
conviver com outros no contexto de trânsito. Aqueles que pretenderem se
habilitar, a partir dos 16 anos deveriam ter a oportunidade de serem expostos à
instrução específica da condução, tanto teórica quanto prática, em ambientes
fechados e controlados, sob supervisão profissional.
O programa de instrução deveria ser todo
reformulado para tratar da interação de todos os participantes do trânsito
assim como das particularidades operacionais de cada tipo de veículo. No caso
das motos, o programa jamais poderia deixar de conter informações sobre como
obter e controlar a inclinação de uma moto, como otimizar os recursos da visão
para uma melhor e selecionada coleta de informações, ou como obter uma frenagem
de máximo desempenho (emergencial) – entre outros temas relevantes.
Habilitados
Os que já são habilitados, deveriam se submeter
a uma rigorosa reciclagem para adquirir conhecimento a respeito da
funcionalidade de outros veículos – assim como de suas capacidades de manobra,
pois grande parte das colisões tem como componente um julgamento equivocado do
que o outro pode produzir em termos de movimento.
Fiscalização
Com uma frota e território grandes como
o nosso é impossível o poder público fiscalizar tudo, o tempo todo. Novamente,
a legislação deveria ser adaptada para que o cidadão comum pudesse prover
provas de infração através de vídeos/fotos ou qualquer outra forma conclusiva,
de ato que ferisse a legislação de trânsito, transformando todos em agentes de
fiscalização. Por mais utópico que possa parecer, poucos se negariam a
fiscalizar um trânsito que tira a vida de aproximadamente 40.000 pessoas por
ano no Brasil – ainda mais que um desses, pode facilmente ser um filho ou
parente próximo.
Penalidades
As penas para os crimes de trânsito
deveriam endurecer dramaticamente. A confiança de que nada atinge o individuo
infrator – e mesmo que atinja, não o faz de maneira contundente – traz a
percepção de que pode se atuar no trânsito da forma que bem se quer. Com a
certeza de punição rigorosa, o individuo tende a modificar seu comportamento. É
preciso tornar o crime de trânsito algo pelo qual não valha a pena se arriscar.
A conclusão dessa singela reflexão é que
por mais bem intencionadas que as pessoas do setor sejam, nada será modificado
a curto e médio prazo. Salta aos olhos a noção de que é preciso uma imensa
vontade política para reverter esse quadro medonho de matança em nossas ruas e
estradas.
De uma coisa tenho certeza: o governo
atual não se comprometerá com mudanças tão profundas e caras, ainda mais em uma
época de incertezas econômicas. Quem sabe os próximos governantes se posicionem
de uma forma mais contundente frente ao problema. E nesse aspecto, todos nós
podemos e devemos interferir – basta que preste muita atenção em quem vai votar nas próximas eleições. É preciso que
todos se mobilizem para cobrar dos futuros eleitos, ações que de fato mudem
esse quadro. Não dá mais para conviver com políticos medíocres, que apenas se
auto-promovem através de projetos de lei esdrúxulos, sem qualquer embasamento
técnico. E boa sorte pra todos nós!
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