terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Velocidade e segurança -
Uma análise técnica sobre como se relacionam



Introdução e primeiras considerações
Este artigo tem por finalidade esclarecer aos interessados as considerações técnicas relativas à velocidade e seu impacto na segurança viária. Em outra vertente, tem a pretensão de oferecer uma perspectiva motociclística para as diversas interações decorrentes do tema.

O que é velocidade?
De maneira bem simplista, para facilitar o entendimento, velocidade é a rapidez com que um objeto se desloca em relação a uma referência. Esta última pode ser uma referência fixa, como um ponto no solo, ou uma referência móvel, como outro objeto também em movimento. O estudo de ambas as condições da velocidade de um veículo é necessário, junto a outros parâmetros, para poder se avaliar como o conjunto afeta a segurança viária.

É um ABSURDO tentar atribuir apenas à velocidade máxima permitida em uma via, a redução ou aumento de colisões de trânsito. Trata-se de falácia que não merece crédito, e será desmontada ao longo deste texto.

Se apenas a velocidade fosse o único parâmetro causador de incidentes, veríamos em todas as competições à motor, uma infinidade de acidentes, já que nestas competições a velocidade é exercida em seu máximo pelo maior tempo possível. Mas, pelo contrário – em análises de acidentes em competições, pode se notar que apesar da presença do fator velocidade, essa, tem peso irrelevante frente aos elementos relacionados ao controle do veículo, bem como da interação do mesmo com o meio onde opera. O mesmo exemplo também demonstra que a análise do meio onde a velocidade é praticada é ABSOLUTAMENTE FUNDAMENTAL para justificar a necessidade de aumento ou redução da velocidade máxima para as condições analisadas.

Velocidade estática e velocidade relativa
Em princípio, toda velocidade medida deve possuir uma referência, podendo esta ser estática ou em movimento. O conceito torna toda velocidade, portanto, relativa ao seu referencial. Mas, para melhor compreensão, chamarei aqui as duas medidas de: “velocidade estática”, referindo-me a velocidade marcada pelo velocímetro de um veículo e que denota a rapidez com que se desloca em relação ao solo, enquanto o termo “velocidade relativa”, eu usarei para denotar a velocidade existente entre dois objetos em movimento. A importância dessa separação ficará mais evidente com mais um simples exemplo:

Tomemos por exemplo, dois carros de porte e capacidade semelhantes se deslocando em uma avenida de sentido único, a uma velocidade constante de 80 Km/h. Enquanto suas velocidades permanecerem inalteradas, NÃO HÁ COMO PRODUZIR UMA COLISÃO ENTRE ELES. Para todos os efeitos, poderiam estar tanto a 50Km/h, quanto a 350Km/h. Não há uma relação de aproximação ou afastamento entre os dois, e desta forma não há condições necessárias para que um colida com o outro. Observem que estão sendo analisados apenas os veículos em movimento, desprezando-se totalmente o meio que os circunda, nesta etapa de elucidação do raciocínio.

Vejamos agora o que acontece quando alteramos essa mesma condição e colocamos um dos carros trafegando à 50 Km/h, enquanto o outro mantém os mesmos 80Km/h. Estando este último atrás do carro mais lento, estará se aproximando do mesmo com uma velocidade de 30 Km/h, e se estiver à sua frente, estará se afastando do carro mais lento com a mesma velocidade, 30 Km/h. O risco de colisão agora existe, (observadas outras condições para tal), enquanto o mais veloz estiver atrás do menos veloz e, deixa de existir, se estiver à sua frente.

Agora fica evidente a importância do estudo da velocidade relativa das diversas categorias de veículos em um dado ambiente, pois a diferença nas velocidades constitui risco à operação, quando o desejável é que as categorias possam desenvolver o seu melhor, com pouca interferência uns dos outros, promovendo assim um fluxo com poucas obstruções.

Segurança viária
A segurança viária é resultado da conjugação de diversos aspectos relacionados à condução de um veículo, associados ao comportamento adotado por todos os agentes que interagem nesse meio operacional. Vejamos alguns desses aspectos:

Relativos ao condutor
Qualificação prévia, tempo de treinamento, experiência individual, qualidade do material didático, empenho pessoal, estabilidade psicológica e outros.

Relativos ao veículo
Condições e estado geral do veiculo, bem como a atualidade de sua manutenção.

Relativos ao meio operacional
Condições da via quanto à regularidade do pavimento, visibilidade geral, condição meteorológica, sinalização horizontal e vertical, inibidores, tais como radares, lombadas, etc.

Fica evidente, mais uma vez, que muitos são os aspectos a serem considerados pela autoridade pública responsável pelo trânsito, quando estabelece a velocidade máxima de um trecho de via. Além dos aspectos já citados, a autoridade deve considerar ainda a topografia, mudanças na velocidade de fluxo devido a curvas ou outros obstáculos que requeiram mudanças na trajetória, entre muitos outros aspectos que não cabem ser discutidos nesse momento. No entanto, fica patente a necessidade de base técnica para se proceder com quaisquer mudanças ou adequações na velocidade máxima que será permitida.

Da mesma forma, não se pode imaginar que a autoridade competente se guiará exclusivamente pelo parâmetro técnico, apesar de ser o desejável. Ela precisa também tratar do assunto politicamente, objetivando um bem coletivo maior. No caso em questão, o bem maior é o não estrangulamento das vias que podem ter um fluxo maior e mais homogêneo.

Na administração anterior em São Paulo, a redução de velocidade nas marginais (vias de tráfego rápido, sem acesso de pedestres) promovida pelo prefeito Haddad não seguiu critérios técnicos, mas tão somente os políticos. Pelo que suas ações indicam, era seu desejo diminuir a velocidade nas marginais para tentar compatibilizar vias de trânsito rápido, com segurança para o ciclista, que por hora, goza de forte lobby junto às autoridades. Quando digo “indicam”, me refiro a ausência de material técnico que subsidiasse a ideia de redução de acidentes de trânsito, tida como bandeira para a promoção das reduções na velocidade.
Foi um erro técnico e político. Técnico, porque pretendia misturar à força, ciclistas e agentes de trânsito muito mais rápidos e constantes que estes, criando imenso risco de colisões devido ao aumento na velocidade relativa – circunstância quando ciclistas dividem o mesmo meio operacional com carros, motos, ônibus e caminhões. Um erro político, pois prejudicou o fluxo de motoristas e motociclistas estrangulando o fluxo para agradar apenas aos ciclistas.
Ainda bem que a administração atual, de João Doria, não pensa da mesma forma e corrigiu essa distorção de valores, onde se prejudica a maioria para favorecer uma minoria.
À saber: também sou ciclista e jamais andaria em uma via onde a maioria dos objetos que me cercam é mais veloz, de maior massa e, o mais grave, incidindo por trás, fora de meu ângulo de visão natural. Isso é se colocar completamente à mercê de toda sorte de motoristas e motociclistas, sem que nada possa fazer para garantir a minha segurança.

Pesquisas e estatísticas
As pesquisas referentes ao tema, bem como as estatísticas produzidas ao longo do tempo, seriam fundamentais para as autoridades de trânsito, na elaboração de políticas públicas, SE DE FATO EXISTISSEM.

DESAFIO PUBLICAMENTE qualquer pessoa, autoridade ou não, a apresentar pesquisas relativas ao trânsito que tenham sido registradas e, tenham sua metodologia apresentada de forma transparente para comprovação. Mesmo as estatísticas produzidas pelas autoridades de trânsito, não passam de mera coletânea de dados, sem qualquer critério objetivo, podendo ser distorcidas para qualquer lado, segundo aquele que as apresenta. Isto não pode ser considerado um trabalho de qualidade, pois induz ao erro quem deve decidir sobre um determinado tema, sob a ótica de política pública.

Afirmo CATEGORICAMENTE que não há no Brasil qualquer estatística confiável sobre acidentes de trânsito, pois as mesmas não coletam dados fundamentais para a elucidação de uma determinada colisão, não podendo, portanto, imputar responsabilidade a qualquer dos partícipes. Muito menos servem de baliza para as autoridades, pois apresentam dados parciais e incompletos, dando margem a erros grotescos.

Qualquer dado apresentado, precisa ter o respaldo técnico quanto à metodologia usada para coleta, tanto quanto, para os parâmetros a serem coletados para posterior análise. Sem essas medidas, constituem uma base inócua, e tornam seus resultados, meras especulações.

Velocidade de fluxo
Para entender o conceito, imagine um tubo de água com vários objetos de tamanhos e pesos distintos, disposto na horizontal. Ao se promover o movimento da água em qualquer sentido, observar-se-á que os maiores e mais pesados tenderão a se mover mais vagarosamente que os menores e mais leves.

É o que acontece também em nossas ruas, que transferem as pessoas de um lugar para outro e assim determinam em dado momento uma velocidade mediana que pode ser observada entre veículos pesados, veículos leves e motos. Notem que não incluo ciclistas nem pedestres, pois em principio, deveriam estar segregados desse meio, por não conseguirem atingir as médias horárias de velocidade praticadas pelos outros agentes, conforme descrito acima.

O que pode ser observado na instância dada como exemplo, é que os objetos mais pesados, de maior volume, simbolizando os caminhões e ônibus, têm velocidades reduzidas em relação aos demais porque tem sua capacidade de manobra limitada por sua massa. Os carros, sendo menores e mais leves, constituem maior capacidade de manobra. Aceleram e freiam com maior eficiência em relação aos pesados, além de poderem mudar de direção com maior rapidez. É por essa razão que se observam duas placas de sinalização de velocidade máxima, uma indicando a velocidade permitida para o primeiro grupo, e outra, mais veloz, para o grupo dos automóveis. Neste caso, o legislador está em conformidade com a necessidade operacional de ambos.

A moto e o trânsito
Seguindo o mesmo raciocínio, as motos tem massa muito menor que a de um carro (cerca de 10% em média), capacidade de aceleração e frenagem superiores aos carros (medianamente), capacidade de manobra muito superior, e, no entanto, não têm reconhecidas pelas autoridades de trânsito, suas necessidades operacionais. São rebaixadas em sua capacidade, ao que os automóveis podem fazer, sob a ótica da legislação.

Não pretendo aqui pleitear maiores velocidades para as motos, apesar de tecnicamente a premissa estar correta, como demonstrado acima. Mais ainda, as motos de fato se locomovem mais rápido que o trânsito à sua volta na maior parte do tempo, demonstrando outra vez, que as leis da física estão acima das leis dos homens. Seria justo, e tecnicamente correto, que os motociclistas tivessem permissão para praticar as velocidades que de fato já praticam, mas sem o ônus de desrespeitar a lei.

Lembro ao leitor, que existem sim, maus motociclistas que desrespeitam a vida, a lei e o bom senso – e lembro também, que o mesmo é verdade para motoristas, ciclistas e pedestres. Dessa forma, peço a NÃO generalização dos grupos.

As motos devem de fato ter essa condição de praticar velocidades maiores que o fluxo para a própria segurança do motociclista, apesar de à primeira vista, o conceito parecer antagônico. Explico:

Entre dois veículos em condição de ultrapassagem um do outro, cabe a responsabilidade sobre a ação, ao usuário do veículo que decidir por ultrapassar, sendo o outro um agente passivo (em princípio), perante a ação. Quem executa a ultrapassagem, determina com que velocidade será feita, à qual distância do outro veículo ficará e, ainda, terá de prestar atenção ao que o outro motorista demonstra ter entendido de sua ação. Essa é a dinâmica da interação típica em estradas de pista simples, mas o conceito pode ser aplicado também para ultrapassagens em vias de múltiplas pistas na mesma direção.

A premissa da ultrapassagem, por ser o agente mais rápido do trânsito, serve ao motociclista porque entre ele e um automóvel, ele é a parte mais frágil, devendo reter para si a responsabilidade e a forma como a situação irá se desenvolver.
Se o motociclista é obrigado por lei a seguir as mesmas velocidades autorizadas aos carros, estará em constante relação de proximidade com veículos muito mais pesados que o seu, que tem menor manobrabilidade, possuem restrições visuais e frequentemente estão sendo operados por pessoas despreparadas e desrespeitosas.
Para melhor compreensão do que passa o motociclista, convido o leitor motorista de carro a tentar praticar em diversas situações, as mesmas velocidades de um ônibus ou caminhão, exercendo a mesma relação de proximidade. Assim ficará mais do que evidente que as velocidades entre carros, motos e veículos pesados são diferentes, e é assim que deve ser, para que haja fluxo nas vias da cidade.
Antes que me crucifiquem, quando digo “velocidade máxima maior que a dos carros”, refiro-me a velocidades não superiores a 15 Km/h acima das velocidades praticadas pelos veículos leves. Apenas o suficiente para que possam executar as ultrapassagens de maneira a serem vistos e entendidos no trânsito.

Entendo que maiores velocidades para um grupo de pessoas que não estão devidamente preparadas para arcar com as responsabilidades de serem os agentes mais rápidos do trânsito, não deve ter respaldo do poder público, que é quem decide a questão. Mesmo que esse grupo de pessoas some milhões, apenas na cidade de São Paulo. Mas, insisto que o exposto, pode ser demonstrado cientificamente, tendo assim, valor técnico.

Conclusões
É ingenuidade pensar que as colisões entre veículos, ou contra obstáculos, possam ser extintas. Basta observar todos os países do mundo, para ver que as colisões acontecem no mundo todo. Sem exceções. Em alguns lugares mais que em outros, mas em todos os lugares.

O que nos resta então é achar maneiras inteligentes de diminuir esses números o máximo possível, e isso, só se obtêm com preparo mais adequado de quem opera essas máquinas, com poder publico ciente de sua responsabilidade em atender TODOS os componentes do trânsito e fiscalização adequada, apropriada, justa.

Espero que a administração de João Doria na cidade de São Paulo ponha fim à esse tenebroso inverno que todos nós, motociclistas, vivemos há décadas. Está mais que na hora de deixarmos de fazer parte do problema, para sermos parte da solução.


Nenad Djordjevic

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