sexta-feira, 19 de abril de 2019

¨Corredor¨, pode?


Conheça um pouco dos aspectos legais e técnicos que cercam uma condição momentânea do trânsito.

Por: Nenad Djordjevic

Antes de dar início ao assunto, vou primeiro dar ciência aos meus  leitores não-motociclistas, do que se trata.

Nós, motociclistas, chamamos de corredor, o espaço formado entre dois ou mais veículos trafegando no mesmo sentido, em faixas de rodagem paralelas. Essa situação momentânea de trânsito pode se apresentar apenas de três formas: O corredor pode se constituir de veículos parados, de veículos em movimento, ou intermitentes entre os dois.

Pretendo examinar essa questão momentânea de trânsito pelos aspectos legais e técnicos, uma vez que muitos motociclistas têm reclamado de multas recebidas nessa situação de trânsito. Aproveito para responder questões levantadas por internautas, que por falta de conhecimento, acabam publicando opiniões sem fundamentação, para, de alguma forma, tentar coibir essa prática utilizada pelos motociclistas de forma legítima.

Peço licença às minhas amigas motociclistas, cada vez mais presentes no trânsito, para tratar motociclistas, daqui em diante, apenas no gênero masculino. Garanto-lhes que é apenas pela praticidade no fluxo do texto!

Legalidade

Do ponto de vista legal, a prática do corredor não está proibida em lei e, segundo nosso regramento jurídico, é, portanto, permitida. Mas, por lhe faltarem regras claras, pode gerar alguma forma de conflito, que perturba motoristas e motociclistas, na disputa pelo espaço necessário à operação de cada um. Nesse aspecto, cabe reforma às leis de trânsito para incorporar as necessidades operacionais de uma moto e seu piloto, que foram totalmente negligenciados pelo CTB, formulado em 1988.  

No Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o único artigo que tratava dessa situação especificamente – art. 56 – foi vetado pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso. O argumento mais conhecido publicamente é de que a proibição da passagem entre os carros iria limitar o veículo de forma a retirar seu atrativo maior – a mobilidade. Obviamente é um argumento forte, mas nem de longe foi o único, nem à época, nem agora, como alguns querem fazer crer.

Veja aqui artigo do advogado Marcelo Barazal sobre o assunto.

Ele examina juridicamente multas recebidas com base no art.192 do CTB, que trata de manutenção de distância de segurança lateral e frontal entre veículos. Um recurso escuso e arbitrário, utilizado por autoridades para multar, que não encontra fundamentação técnica nem jurídica, como mostra o supracitado artigo, que sustente sua aplicabilidade. Explico:

¨Art.192. Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo: Infração - grave; Penalidade - multa.¨

A distância de segurança referida no artigo não é definida especificamente no CTB por ela ser subjetiva. Sua análise deve ter em conta, como o próprio artigo define, a velocidade, entre outros parâmetros. Quanto menor esta for, menor será a distância necessária para manobrar, e vice-versa. Observe que aqui, trata-se de velocidade relativa aos veículos que trafegam no mesmo sentido de direção. Exemplo: Uma moto à 60Km/h passando entre carros em movimento à 50 Km/h estará se aproximando desses veículos, e passando por eles, com velocidade relativa de 10 Km/h. Da mesma forma, uma moto com a mesma velocidade, 60 Km/h, em um corredor de carros parados, teria uma velocidade relativa à eles de 60 Km/h também. A distância dita de segurança, teria de ser muito maior.

Então, não há de se falar em distância de segurança, quando esta não pode ser definida sem a observância de outros fatores. Tampouco se pode falar sobre a velocidade de interação entre os veículos em questão, uma vez que também não pode ser medida sem auxílio de complexos mecanismos de medição. Para essa multa ser aplicada, a autoridade deveria exibir provas de que a infração aconteceu, e a única forma de demonstrar isso, seria através da consequência dela, ou seja, uma colisão. Não havendo a colisão, constata-se que a distância de segurança questionada foi adequada, uma vez que não gerou consequência. Importante notar que a ausência de consequência é o resultado esperado por todos, para toda e qualquer interação entre veículos no trânsito.

Alguns ainda tentam usar o art. 201 do CTB que dispõe sobre a distância lateral a ser mantida de um ciclista (1,50mts) para tentar elencar que a mesma distância de separação lateral deveria ser aplicável ao motociclista, pura e simplesmente por ambos estarem em duas rodas.

Mas a vã tentativa não encontra respaldo na física do movimento, uma vez que a distância dita, de segurança, aplicada ao ciclista, leva em consideração a diferença de velocidade existente entre a capacidade de produção de velocidade de um ciclista e a produção de velocidade por veículo à motor – muito distintas entre si.

Essa diferença de velocidade faz com que o ciclista esteja em constante risco, porque o trânsito mais veloz que ele, atinge-o pelas costas, fora de seu ângulo de visão natural. Daí a necessidade de maior distância lateral, garantindo-lhe mais espaço para manobrar, uma vez que seu tempo reacional é limitado por conta da direção de sua visão. Há ainda o fator aerodinâmico, que afeta significativamente o equilíbrio de um ciclista que recebe rajada de vento lateral provocada pelo deslocamento de veículos mais volumosos.  Creio ser desnecessário demonstrar a inviabilidade técnica de constatar tal infração. Como garantir que a distância lateral em dado momento, frequentemente inferior a dois segundos, não tenha sido obedecida?

Já a capacidade de produção de uma moto, frequentemente é superior a de um carro no que diz respeito à aceleração e manutenção de velocidade linear. Sendo assim, sua condição é completamente distinta da do ciclista, uma vez que é o motociclista que incide no trânsito como agente ativo, frequentemente ultrapassando, e, portanto, tendo o controle sobre a ação. A interferência na interação do motociclista com os demais veículos, sob essa ótica, é mínima, uma vez que a moto é capaz de gerar velocidade semelhante com os outros veículos, colocando-se em condições de passagem e ultrapassagem na maior parte do tempo.

¨Art. 199 Ultrapassar pela direita, salvo quando o veículo da frente estiver colocado na faixa apropriada e der sinal de que vai entrar à esquerda: Infração - média; Penalidade - multa.¨

Outros ainda se valem do art.199 para tentar assemelhar a ação de uso do corredor à uma ultrapassagem pela direita, quando de fato, pelo esboçado explicitamente no Anexo I do CTB, a ultrapassagem é:

movimento de passar à frente de outro veículo que se desloca no mesmo sentido, em menor velocidade e na mesma faixa de tráfego, necessitando sair e retornar à faixa de origem”. 

No mesmo anexo, define a passagem como sendo:

¨movimento de passagem à frente de outro veículo que se desloca no mesmo sentido, em menor velocidade, mas em faixas distintas da via¨.

O CTB  ainda trata do assunto no artigo 29, § 1º,  onde instrui que a transposição de faixas para passagem pode ser feita tanto pela direita quanto pela esquerda.

Veja aqui o que comenta o professor JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, sobre este artigo do código. (Sobre o autor)

O mesmo raciocínio relativo à interpretação do que é passagem em relação ao que seja ultrapassagem é aplicado para contra-argumentar aqueles que se escoram no art. 211 para tentar coibir a prática do corredor.

Art. 211 Ultrapassar veículos em fila, parados em razão de sinal luminoso, cancela, bloqueio viário parcial ou qualquer outro obstáculo, com exceção dos veículos não motorizados: Infração - grave; Penalidade - multa.

O código de trânsito é claro em usar o termo ¨ultrapassar¨, não mencionando a passagem de veículos em pista adjacente, porque o legislador busca com o dispositivo coibir quem desrespeita a fila de usuários que chegaram primeiro a um ponto. Em nenhum momento a passagem de motos pode ser enquadrada nessa circunstância.

Examinando o CTB com bastante cuidado e rigor, não encontrei qualquer enquadramento legal que pudesse remotamente remeter a situação do corredor à um pensamento de incompatibilidade com as regras de trânsito descritas no mesmo. Mas, por não ser minha área de atuação profissional, vou me limitar apenas às argumentações legais obtidas através desta pesquisa. Comentários que possam contribuir mais para a discussão serão bem vindos.

Passo agora a examinar a questão técnica do uso do corredor, sob a ótica da segurança e operacionalidade motociclística.

Vejamos quais aspectos técnicos relativos a esse evento temporário de trânsito delineiam maior segurança para o motociclista.

Para começar a análise, é preciso estabelecer algumas premissas, para que o entendimento seja completo.

1. Entre um veículo que ultrapassa e outro sendo ultrapassado, a responsabilidade pelo ato cabe ao veículo que toma a ação de manobrar nesse sentido. Tanto isso é verdadeiro, que em caso de penalização por qualquer razão, quem ultrapassa será o penalizado, e não, o veículo ultrapassado.

Motivo: o veiculo que vai atrás, tem visibilidade completa do que vai à frente, tendo melhores condições para julgar parâmetros como velocidade de aproximação, distância, espaço requerido, condições momentâneas do trânsito em seu redor, comportamento do motorista à frente, entre outros. O usuário do veículo que se encontra na frente, não tem essas mesmas condições para efetuar tal julgamento, principalmente porque o motociclista ou motorista que vai atrás está fora de sua linha de visão natural, que é para frente. O posicionamento então acaba por definir papeis aos participes, sendo um ativo e o outro passivo nessa relação. Apesar de papéis e tarefas distintas, ambos têm sua dose de responsabilidade sobre o evento. O que fica patente é que a responsabilidade maior recai sobre aquele que decide ultrapassar. Nesse sentido, o mesmo raciocínio se aplica ao tratar-se de passagem, uma vez que as condições de interação são as mesmas.

2. A visão do que está à frente no caminho percorrido é fundamental no processo decisório de como o veículo deve ser conduzido.

Quanto mais à frente o motociclista olha, mais tempo terá para lidar com obstáculos que porventura se apresentem pelo caminho que percorrerá. Como consequência natural, a qualidade das decisões será melhor em função da quantidade de variáveis que podem ser analisadas no tempo decorrido. Dessa forma, o caminho escolhido pelo motociclista deve ser preferencialmente aquele que contenha a menor quantidade de obstáculos visuais para cumprimento dessa tarefa. Trata-se do mesmo raciocínio lógico que pede que se mantenha distância de veículos grandes, uma vez que eles tomam muito do campo visual, limitando a capacidade reacional à distância entre a traseira do veículo e os olhos do condutor.

3. Cabe aos veículos maiores zelarem pela segurança dos menores, e todos, pela segurança dos pedestres.

Esse preceito é tão importante que está contido no CTB. O motivo de essa regra existir é por conta da fragilidade a que cada um está exposto na condição de trânsito. Quem está em um ônibus ou caminhão tem maior proteção estrutural do que aquele em um automóvel, que por sua vez tem mais proteção que o motociclista. Paralelamente, a ordem de grandeza em função da mobilidade, corresponde também à essa ordem de massas. Os pedestres são os mais ágeis, seguidos dos ciclistas, motociclistas, automóveis e  veículos pesados.

Mais uma vez a lógica se apresenta correta, uma vez que a física ensina que quanto maior um objeto é, maior a sua inércia, portanto, sua falta de mobilidade.

Observando a regra do direito à passagem, o pedestre é o mais privilegiado exatamente por ser o mais exposto ao risco. Assim, cabe a ele decidir o que é o mais adequado à sua segurança em dado momento, sem delegar essa responsabilidade a quem está em um veículo capaz de feri-lo ou tirar-lhe a vida. Todos os outros veículos devem aguardar sua ação para poder garantir a segurança do mesmo. O mesmo raciocínio lógico se apresenta para a relação das motos com os outros veículos. O motociclista deve chamar para si a responsabilidade da interação, para que possa gerir assim seu nível de segurança.

4. A condução de uma moto envolve conhecimento de física em algum grau, pois expõe o condutor à forças que devem ser observadas, interpretadas e utilizadas para o movimento. Um conceito físico sempre presente na condução de uma moto é a rigidez giroscópica. Este fenômeno físico está ligado ao movimento rotacional de uma roda. Para explicar do que se trata, recorro a um exemplo prático facilmente reconhecível até para quem não tem estudo mais profundo na área.

Imagine estar segurando apenas uma roda qualquer na vertical, (de bicicleta, por exemplo) apoiada no solo em sua extremidade. Se você a soltar, muito provavelmente não ficará equilibrada e cairá para um dos lados. Isso acontece porque sua massa se encontra acima do ponto de apoio, e, a gravidade, puxará essa massa em direção ao solo. Mas, se der um impulso a essa roda com a mão, fazendo com que gire por sobre o solo, notará que a roda se manterá na vertical enquanto houver energia movimentando-a. Assim que a velocidade diminuir, principalmente pelo atrito gerado, essa roda penderá para um ou outro lado, e por fim, cairá. Pois essa força que a manteve em pé durante a rotação, dá-se o nome de rigidez giroscópica.

Como é uma força provocada pela rotação em torno de um eixo, ela está presente em todas as rodas que se encontram girando, e é dependente e proporcional à velocidade de rotação dessa roda. Resumindo: Quanto maior a velocidade de rotação, mais difícil é movimentar essa roda no plano perpendicular ao da rotação. Quanto menor for essa velocidade, maior será a tendência que a roda caia ao solo.

Para os motociclistas, essa força é de extrema relevância, pois contribui significativamente para o equilíbrio, conforme demonstrado no exemplo acima. Uma moto parada, ou quase parada, tende a cair. Assim que ganha movimento, o motociclista não precisa mais usar de tanta energia para administrar o equilíbrio, uma vez que a física está fazendo esse trabalho por ele. A tendência da moto em movimento passa a ser de ficar em pé, na vertical. O piloto então passa a usar os recursos da pilotagem para se contrapor a essa tendência de verticalidade, quando impõe através dos comandos, uma mudança de direção através da inclinação de seu conjunto rodas/estrutura.

Após esta explicação, fica evidente que para o motociclista é mais seguro a moto estar em movimento que estar parada, por essa condição oferecer melhor equilíbrio, e, menor desgaste ao piloto. Ao mesmo tempo, indica que o movimento contínuo é mais desejável do que o movimento que envolva sucessivas paradas, situação que se apresentaria à todo momento se a moto trafegasse como um carro. Para os veículos de quatro rodas, esse fenômeno físico não tem importância alguma, uma vez que estão todos equilibrados em quatro pontos.

5. Existem três principais grupos de veículos motorizados em circulação, classificados essencialmente pelo peso e desgaste que promovem ao pavimento, bem como quanto às suas capacidades dinâmicas, como aceleração, frenagem e mudança de direção. Os veículos pesados, os leves e as motocicletas.

No entanto, apesar da óbvia diferença na forma, tamanho, peso, aceleração, frenagem ou capacidade de manobra que existe entre todos eles, apenas as diferenças entre os veículos pesados e leves são consideradas para especificar a velocidade máxima permitida para cada grupo, nas cidades brasileiras. As motos são rebaixadas em sua capacidade, ao que os automóveis são capazes, forçando seus condutores à uma relação de proximidade perigosa com objetos maiores e menos manobráveis que o utilizado.

Para entender o que o motociclista passa nessa situação, tente, como motorista, andar em proximidade de ônibus e caminhões, mantendo a mesma velocidade deles, sem poder ir mais rápido para não infringir a lei. Posicione-se à sua frente; ou, experimente andar bastante tempo com aquele objeto massivo na sua frente, retirando sua visão; ou ainda, ande ao seu lado. Se conseguir imaginar a situação, provavelmente sentirá angústia pela pressão que veículos maiores e menos manobráveis exercem sobre você. Essa é a realidade de um motociclista nos centros urbanos pelo Brasil, por força das leis que não levam em consideração sua necessidade operacional.

A seguir, relaciono as premissas apresentadas às três possíveis situações de corredor, para analisar como afetam a segurança do motociclista.

Quando as premissas são confrontadas com as situações possíveis de corredor, fica evidente que o uso do mesmo é mais vantajoso que a sua restrição. Veja porque:

Um motociclista que se aproxima de uma situação aonde há tráfego à sua frente, tem duas opções: Manter-se na faixa de rolagem dos automóveis ocupando o espaço aproximado de um carro, ou passar pelo espaço existente no corredor. A suposição é de se tratar de via com no mínimo duas pistas no mesmo sentido e espaço físico existente entre os veículos, que o motociclista julgue suficiente à sua passagem.

Em caso de corredor em movimento, se ele optar por se manter no espaço do automóvel, ele passa a exercer relação de proximidade com veículos bem maiores que o seu, cujas características encobrem parte da visão do motorista, podendo receber pressão dos que estão à sua volta. Nesta condição, o motociclista tem de dividir sua atenção entre o que está à sua frente, o que está atrás e também o que está ao seu redor. Ele deixa de ter a vantagem de se preocupar mais atentamente apenas com o que está à sua frente. Lembrando que um veículo que esteja mais rápido que o fluxo ao seu redor, como é a situação de corredor, passa a interagir ativamente somente com aqueles à sua frente, uma vez que os veículos passados irão se afastar cada vez mais enquanto a situação de velocidade entre eles permanecer. Observação também feita na primeira premissa.

Ainda nessa hipótese, a posição de ocupação central da via, traz visão restringida pelo veículo que vai à sua frente, limitando a capacidade reacional do motociclista, assim como descrito na segunda premissa. Pelo tamanho reduzido da moto em relação a um automóvel, pode ficar fora da linha de visão do motorista que vai atrás, principalmente em se tratando de ônibus ou caminhões, gerando preocupação de atropelamento.

Já no corredor, sua visão do que está à sua frente é mais ampla que a dos motoristas ao seu redor, obtendo assim uma vantagem tática para sua segurança – já que qualquer obstáculo em sua trajetória, ou dos veículos ao seu redor, seria percebido antes de qualquer motorista próximo, devido ao posicionamento permitir maior linha de visada.

Todos os princípios elencados aplicam-se também ao corredor de veículos parados, ou em situação intermediária de anda-para, porém com agravante: O princípio da rigidez giroscópica elaborado na quarta premissa deste texto, demonstra que há melhor equilíbrio para o motociclista enquanto ele está em movimento. A situação exigiria que em toda e qualquer parada de veículos, existisse também a sua própria parada, gerando maior probabilidade de desequilíbrio a cada evento. Lembrando que com a moto parada, o motociclista arca com todo o peso da moto tendo de ser equilibrado, seja qual for a circunstância.

A vantagem do corredor para a segurança do motociclista fica cada vez mais evidente perante as analises factuais.

Basta agora examinar quais os riscos que de fato um motociclista enfrenta durante a situação de corredor, para determinar se algum deles torna o uso impeditivo, sob a ótica da dinâmica operacional.

Corredor em Movimento

Em se tratando de corredor em movimento, onde veículos trafegam paralelamente no mesmo sentido, porém, com velocidades distintas, os problemas principais para o motociclista são o possível estreitamento do corredor ou uma eventual mudança de faixa feita pelos veículos formando o corredor. E só. Ambos os eventos estão relacionados à mudança de trajetória dos veículos.

Se analisarmos o estreitamento, consideraremos que um estreitamento que aconteça de forma gradual, por pequenas diferenças na trajetória dos veículos, não é evento digno de preocupação uma vez que pode ser facilmente trabalhado pelo motociclista. Um problema maior seria se o estreitamento ocorresse de forma brusca, intempestiva. Mas, o que poderia causar tal evento? Um obstáculo na trajetória de um dos motoristas. Mesmo nesse caso específico, a visão do motociclista no corredor chega a ser mais ampla que a dos motoristas, permitindo a conclusão de que o piloto da moto teria a mesma capacidade reacional dos motoristas envolvidos. Dessa forma, retardaria sua passagem até que a situação se normalizasse. Um fato que corrobora que esse evento é raro, é a observação de que não há, ou são pouquíssimos, os casos registrados de prensamento lateral de motociclista por dois veículos maiores. Pessoalmente, não tive acesso a qualquer caso desse tipo em 20 anos de pesquisa e treinamento. As poucas ou inexistentes ocorrências classificam por si esse evento como raro e sem perigo substancial para o motociclista.

O mesmo não se pode dizer do outro problema possível de ocorrer – a transposição de faixas pelos veículos no corredor. Nesta situação há risco de abalroamento lateral, se o motociclista não usar de cautela no exercício da velocidade relativa. Se essa for baixa, na ordem de 10 a 20 Km/h, não haveria risco significativo, pois uma simples desaceleração do motociclista daria conta de igualar as velocidades, permitindo que ambos compreendam a situação, negociando quem passará primeiro. Note que o evento pode se dar tanto a 50 Km/h como a 120K/h, do ponto de vista do procedimento.

Mas, mesmo essa situação hipotética de transposição de faixa, exige pré-requisito necessário para poder acontecer. Trata-se do espaço existente na faixa pretendida. Não há caso registrado aonde o motorista tenha jogado seu carro para cima de outro apenas com o intuito de mudar de faixa. Quando há a transposição, existe obrigatoriamente espaço para tal. Cabe então ao motociclista – que é quem detém o poder da decisão no momento, observar aonde existem esses vãos que caibam outro veículo e ficar atento aos motoristas ao lado desse espaço. Deve considerar seriamente que alguém ocupará aquele espaço, adequando sua atenção e velocidade para essa possibilidade.

Como se vê, a adoção de procedimentos simples e eficientes minimiza significativamente qualquer risco. Deduz-se dessa análise que a atitude do motociclista tem muito mais impacto para sua segurança, do que o fato de estar no corredor. Também foi a conclusão da argumentação feita quando do veto ao art. 56 do CTB.

Corredor Parado

Os riscos existentes para o motociclista na inserção a um corredor parado são diferentes – a transposição de faixas não é mais problema, pois os veículos se encontram parados. O que passa a ser problema é o espaço deixado pelos carros como vão e o que pode aparecer entre eles – como pedestres.

Digo a meus alunos para que sempre se mantenham atentos à essa situação estendendo sua visão por cima dos carros, em diagonal à passagem, para tentar identificar com antecedência qualquer tentativa irresponsável de travessia de pedestres entre os carros. É imprescindível que a velocidade seja baixa nessa condição, porque há ainda a possibilidade de ter seu caminho obstruído por uma abertura de porta, por exemplo. A situação é proibida no CTB pelo art.49, capitulo III das normas gerais de circulação e conduta, no entanto acontece de forma esporádica e deve se ter um plano para evitar uma colisão ou queda. Eu mesmo tive ferimentos nos dedos por conta de um taxista deixando o passageiro descer no meio do trânsito, há 30 anos, aproximadamente. A cena nunca mais se repetiu.

Novamente, uma situação simples, resolvida com medida simples de adequação da velocidade para a situação. Observe que em caso de carros parados a velocidade da moto não deveria ser superior a 40 Km/h considerando a largura da maioria de nossas vias.

O que fica patente é que a situação de corredor não traz qualquer cenário de risco diferenciado para o qual o motociclista já não esteja preparado para lidar, desde que observe as regras que elevam sua segurança. Dessa forma, não se pode atribuir à situação momentânea de trânsito no corredor o risco de utilizá-lo, mas sim, à conduta que o motociclista decide ter frente a ele.

Corredor intermitente

A variação dos dois principais tipos de corredor formados ocasiona a situação mais perigosa para o motociclista por somar os problemas de um e de outro.

Ao transitar por corredor em movimento que se transforma em corredor parado por força do movimento do trânsito, observa-se muita intenção de troca de faixas, o que pode ser um risco caso haja espaço. O mesmo acontece quando ocorre o inverso, fazendo essas duas instâncias as que mais geram risco ao motociclista.

Mais uma vez, se aprecia esse risco como sendo irrisório, se a conduta adequada de manutenção de velocidade relativa baixa é aplicada na pilotagem.

Conclusões

A conclusão desse estudo sobre os aspectos operacionais da situação de trânsito conhecida como corredor é que, seu uso impacta positivamente na segurança do motociclista, por trazer muito mais vantagens que desvantagens no gerenciamento de sua segurança, se utilizado dentro dos parâmetros de segurança observados neste trabalho.

Aponta também para os fatos de que velocidade relativa entre veículos e tempo para interação são muito mais importantes no processo decisório, que distâncias fixas ou velocidades indicadas.

Ambas as conclusões indicam que não é a situação de trânsito que traz o maior risco, mas a atitude dos envolvidos no processo de solução da mesma. Essa observação também aponta que a solução para a melhoria dessa forma de interação no trânsito, reside na educação e não na proibição de seu uso.







terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Velocidade e segurança -
Uma análise técnica sobre como se relacionam



Introdução e primeiras considerações
Este artigo tem por finalidade esclarecer aos interessados as considerações técnicas relativas à velocidade e seu impacto na segurança viária. Em outra vertente, tem a pretensão de oferecer uma perspectiva motociclística para as diversas interações decorrentes do tema.

O que é velocidade?
De maneira bem simplista, para facilitar o entendimento, velocidade é a rapidez com que um objeto se desloca em relação a uma referência. Esta última pode ser uma referência fixa, como um ponto no solo, ou uma referência móvel, como outro objeto também em movimento. O estudo de ambas as condições da velocidade de um veículo é necessário, junto a outros parâmetros, para poder se avaliar como o conjunto afeta a segurança viária.

É um ABSURDO tentar atribuir apenas à velocidade máxima permitida em uma via, a redução ou aumento de colisões de trânsito. Trata-se de falácia que não merece crédito, e será desmontada ao longo deste texto.

Se apenas a velocidade fosse o único parâmetro causador de incidentes, veríamos em todas as competições à motor, uma infinidade de acidentes, já que nestas competições a velocidade é exercida em seu máximo pelo maior tempo possível. Mas, pelo contrário – em análises de acidentes em competições, pode se notar que apesar da presença do fator velocidade, essa, tem peso irrelevante frente aos elementos relacionados ao controle do veículo, bem como da interação do mesmo com o meio onde opera. O mesmo exemplo também demonstra que a análise do meio onde a velocidade é praticada é ABSOLUTAMENTE FUNDAMENTAL para justificar a necessidade de aumento ou redução da velocidade máxima para as condições analisadas.

Velocidade estática e velocidade relativa
Em princípio, toda velocidade medida deve possuir uma referência, podendo esta ser estática ou em movimento. O conceito torna toda velocidade, portanto, relativa ao seu referencial. Mas, para melhor compreensão, chamarei aqui as duas medidas de: “velocidade estática”, referindo-me a velocidade marcada pelo velocímetro de um veículo e que denota a rapidez com que se desloca em relação ao solo, enquanto o termo “velocidade relativa”, eu usarei para denotar a velocidade existente entre dois objetos em movimento. A importância dessa separação ficará mais evidente com mais um simples exemplo:

Tomemos por exemplo, dois carros de porte e capacidade semelhantes se deslocando em uma avenida de sentido único, a uma velocidade constante de 80 Km/h. Enquanto suas velocidades permanecerem inalteradas, NÃO HÁ COMO PRODUZIR UMA COLISÃO ENTRE ELES. Para todos os efeitos, poderiam estar tanto a 50Km/h, quanto a 350Km/h. Não há uma relação de aproximação ou afastamento entre os dois, e desta forma não há condições necessárias para que um colida com o outro. Observem que estão sendo analisados apenas os veículos em movimento, desprezando-se totalmente o meio que os circunda, nesta etapa de elucidação do raciocínio.

Vejamos agora o que acontece quando alteramos essa mesma condição e colocamos um dos carros trafegando à 50 Km/h, enquanto o outro mantém os mesmos 80Km/h. Estando este último atrás do carro mais lento, estará se aproximando do mesmo com uma velocidade de 30 Km/h, e se estiver à sua frente, estará se afastando do carro mais lento com a mesma velocidade, 30 Km/h. O risco de colisão agora existe, (observadas outras condições para tal), enquanto o mais veloz estiver atrás do menos veloz e, deixa de existir, se estiver à sua frente.

Agora fica evidente a importância do estudo da velocidade relativa das diversas categorias de veículos em um dado ambiente, pois a diferença nas velocidades constitui risco à operação, quando o desejável é que as categorias possam desenvolver o seu melhor, com pouca interferência uns dos outros, promovendo assim um fluxo com poucas obstruções.

Segurança viária
A segurança viária é resultado da conjugação de diversos aspectos relacionados à condução de um veículo, associados ao comportamento adotado por todos os agentes que interagem nesse meio operacional. Vejamos alguns desses aspectos:

Relativos ao condutor
Qualificação prévia, tempo de treinamento, experiência individual, qualidade do material didático, empenho pessoal, estabilidade psicológica e outros.

Relativos ao veículo
Condições e estado geral do veiculo, bem como a atualidade de sua manutenção.

Relativos ao meio operacional
Condições da via quanto à regularidade do pavimento, visibilidade geral, condição meteorológica, sinalização horizontal e vertical, inibidores, tais como radares, lombadas, etc.

Fica evidente, mais uma vez, que muitos são os aspectos a serem considerados pela autoridade pública responsável pelo trânsito, quando estabelece a velocidade máxima de um trecho de via. Além dos aspectos já citados, a autoridade deve considerar ainda a topografia, mudanças na velocidade de fluxo devido a curvas ou outros obstáculos que requeiram mudanças na trajetória, entre muitos outros aspectos que não cabem ser discutidos nesse momento. No entanto, fica patente a necessidade de base técnica para se proceder com quaisquer mudanças ou adequações na velocidade máxima que será permitida.

Da mesma forma, não se pode imaginar que a autoridade competente se guiará exclusivamente pelo parâmetro técnico, apesar de ser o desejável. Ela precisa também tratar do assunto politicamente, objetivando um bem coletivo maior. No caso em questão, o bem maior é o não estrangulamento das vias que podem ter um fluxo maior e mais homogêneo.

Na administração anterior em São Paulo, a redução de velocidade nas marginais (vias de tráfego rápido, sem acesso de pedestres) promovida pelo prefeito Haddad não seguiu critérios técnicos, mas tão somente os políticos. Pelo que suas ações indicam, era seu desejo diminuir a velocidade nas marginais para tentar compatibilizar vias de trânsito rápido, com segurança para o ciclista, que por hora, goza de forte lobby junto às autoridades. Quando digo “indicam”, me refiro a ausência de material técnico que subsidiasse a ideia de redução de acidentes de trânsito, tida como bandeira para a promoção das reduções na velocidade.
Foi um erro técnico e político. Técnico, porque pretendia misturar à força, ciclistas e agentes de trânsito muito mais rápidos e constantes que estes, criando imenso risco de colisões devido ao aumento na velocidade relativa – circunstância quando ciclistas dividem o mesmo meio operacional com carros, motos, ônibus e caminhões. Um erro político, pois prejudicou o fluxo de motoristas e motociclistas estrangulando o fluxo para agradar apenas aos ciclistas.
Ainda bem que a administração atual, de João Doria, não pensa da mesma forma e corrigiu essa distorção de valores, onde se prejudica a maioria para favorecer uma minoria.
À saber: também sou ciclista e jamais andaria em uma via onde a maioria dos objetos que me cercam é mais veloz, de maior massa e, o mais grave, incidindo por trás, fora de meu ângulo de visão natural. Isso é se colocar completamente à mercê de toda sorte de motoristas e motociclistas, sem que nada possa fazer para garantir a minha segurança.

Pesquisas e estatísticas
As pesquisas referentes ao tema, bem como as estatísticas produzidas ao longo do tempo, seriam fundamentais para as autoridades de trânsito, na elaboração de políticas públicas, SE DE FATO EXISTISSEM.

DESAFIO PUBLICAMENTE qualquer pessoa, autoridade ou não, a apresentar pesquisas relativas ao trânsito que tenham sido registradas e, tenham sua metodologia apresentada de forma transparente para comprovação. Mesmo as estatísticas produzidas pelas autoridades de trânsito, não passam de mera coletânea de dados, sem qualquer critério objetivo, podendo ser distorcidas para qualquer lado, segundo aquele que as apresenta. Isto não pode ser considerado um trabalho de qualidade, pois induz ao erro quem deve decidir sobre um determinado tema, sob a ótica de política pública.

Afirmo CATEGORICAMENTE que não há no Brasil qualquer estatística confiável sobre acidentes de trânsito, pois as mesmas não coletam dados fundamentais para a elucidação de uma determinada colisão, não podendo, portanto, imputar responsabilidade a qualquer dos partícipes. Muito menos servem de baliza para as autoridades, pois apresentam dados parciais e incompletos, dando margem a erros grotescos.

Qualquer dado apresentado, precisa ter o respaldo técnico quanto à metodologia usada para coleta, tanto quanto, para os parâmetros a serem coletados para posterior análise. Sem essas medidas, constituem uma base inócua, e tornam seus resultados, meras especulações.

Velocidade de fluxo
Para entender o conceito, imagine um tubo de água com vários objetos de tamanhos e pesos distintos, disposto na horizontal. Ao se promover o movimento da água em qualquer sentido, observar-se-á que os maiores e mais pesados tenderão a se mover mais vagarosamente que os menores e mais leves.

É o que acontece também em nossas ruas, que transferem as pessoas de um lugar para outro e assim determinam em dado momento uma velocidade mediana que pode ser observada entre veículos pesados, veículos leves e motos. Notem que não incluo ciclistas nem pedestres, pois em principio, deveriam estar segregados desse meio, por não conseguirem atingir as médias horárias de velocidade praticadas pelos outros agentes, conforme descrito acima.

O que pode ser observado na instância dada como exemplo, é que os objetos mais pesados, de maior volume, simbolizando os caminhões e ônibus, têm velocidades reduzidas em relação aos demais porque tem sua capacidade de manobra limitada por sua massa. Os carros, sendo menores e mais leves, constituem maior capacidade de manobra. Aceleram e freiam com maior eficiência em relação aos pesados, além de poderem mudar de direção com maior rapidez. É por essa razão que se observam duas placas de sinalização de velocidade máxima, uma indicando a velocidade permitida para o primeiro grupo, e outra, mais veloz, para o grupo dos automóveis. Neste caso, o legislador está em conformidade com a necessidade operacional de ambos.

A moto e o trânsito
Seguindo o mesmo raciocínio, as motos tem massa muito menor que a de um carro (cerca de 10% em média), capacidade de aceleração e frenagem superiores aos carros (medianamente), capacidade de manobra muito superior, e, no entanto, não têm reconhecidas pelas autoridades de trânsito, suas necessidades operacionais. São rebaixadas em sua capacidade, ao que os automóveis podem fazer, sob a ótica da legislação.

Não pretendo aqui pleitear maiores velocidades para as motos, apesar de tecnicamente a premissa estar correta, como demonstrado acima. Mais ainda, as motos de fato se locomovem mais rápido que o trânsito à sua volta na maior parte do tempo, demonstrando outra vez, que as leis da física estão acima das leis dos homens. Seria justo, e tecnicamente correto, que os motociclistas tivessem permissão para praticar as velocidades que de fato já praticam, mas sem o ônus de desrespeitar a lei.

Lembro ao leitor, que existem sim, maus motociclistas que desrespeitam a vida, a lei e o bom senso – e lembro também, que o mesmo é verdade para motoristas, ciclistas e pedestres. Dessa forma, peço a NÃO generalização dos grupos.

As motos devem de fato ter essa condição de praticar velocidades maiores que o fluxo para a própria segurança do motociclista, apesar de à primeira vista, o conceito parecer antagônico. Explico:

Entre dois veículos em condição de ultrapassagem um do outro, cabe a responsabilidade sobre a ação, ao usuário do veículo que decidir por ultrapassar, sendo o outro um agente passivo (em princípio), perante a ação. Quem executa a ultrapassagem, determina com que velocidade será feita, à qual distância do outro veículo ficará e, ainda, terá de prestar atenção ao que o outro motorista demonstra ter entendido de sua ação. Essa é a dinâmica da interação típica em estradas de pista simples, mas o conceito pode ser aplicado também para ultrapassagens em vias de múltiplas pistas na mesma direção.

A premissa da ultrapassagem, por ser o agente mais rápido do trânsito, serve ao motociclista porque entre ele e um automóvel, ele é a parte mais frágil, devendo reter para si a responsabilidade e a forma como a situação irá se desenvolver.
Se o motociclista é obrigado por lei a seguir as mesmas velocidades autorizadas aos carros, estará em constante relação de proximidade com veículos muito mais pesados que o seu, que tem menor manobrabilidade, possuem restrições visuais e frequentemente estão sendo operados por pessoas despreparadas e desrespeitosas.
Para melhor compreensão do que passa o motociclista, convido o leitor motorista de carro a tentar praticar em diversas situações, as mesmas velocidades de um ônibus ou caminhão, exercendo a mesma relação de proximidade. Assim ficará mais do que evidente que as velocidades entre carros, motos e veículos pesados são diferentes, e é assim que deve ser, para que haja fluxo nas vias da cidade.
Antes que me crucifiquem, quando digo “velocidade máxima maior que a dos carros”, refiro-me a velocidades não superiores a 15 Km/h acima das velocidades praticadas pelos veículos leves. Apenas o suficiente para que possam executar as ultrapassagens de maneira a serem vistos e entendidos no trânsito.

Entendo que maiores velocidades para um grupo de pessoas que não estão devidamente preparadas para arcar com as responsabilidades de serem os agentes mais rápidos do trânsito, não deve ter respaldo do poder público, que é quem decide a questão. Mesmo que esse grupo de pessoas some milhões, apenas na cidade de São Paulo. Mas, insisto que o exposto, pode ser demonstrado cientificamente, tendo assim, valor técnico.

Conclusões
É ingenuidade pensar que as colisões entre veículos, ou contra obstáculos, possam ser extintas. Basta observar todos os países do mundo, para ver que as colisões acontecem no mundo todo. Sem exceções. Em alguns lugares mais que em outros, mas em todos os lugares.

O que nos resta então é achar maneiras inteligentes de diminuir esses números o máximo possível, e isso, só se obtêm com preparo mais adequado de quem opera essas máquinas, com poder publico ciente de sua responsabilidade em atender TODOS os componentes do trânsito e fiscalização adequada, apropriada, justa.

Espero que a administração de João Doria na cidade de São Paulo ponha fim à esse tenebroso inverno que todos nós, motociclistas, vivemos há décadas. Está mais que na hora de deixarmos de fazer parte do problema, para sermos parte da solução.


Nenad Djordjevic

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O futuro do motociclismo brasileiro


Quem acompanha minha trajetória profissional, ficou surpreso com a aparente ausência do cenário motociclístico em 2013. Recebi muitas mensagens me questionando, incentivando e cobrando. 
Após 12 longos anos de trabalho ininterrupto, desliguei-me da revista Moto Adventure, mas não do mundo motociclístico. Dediquei-me praticamente o ano todo ao meu curso de pilotagem – Performance Professional Riding – e a uma profunda análise do cenário que vivemos, no tocante ao motociclismo. Nos próximos parágrafos verá o resultado dessa análise e as consequências decorrentes.

A moto e a sociedade
Vivemos uma conjuntura onde a moto se encontra mais marginalizada e menosprezada que em qualquer outra época de nosso país. É a anticultura motociclística. A quantidade e gravidade dos acidentes, bem como as notícias negativas relacionadas à moto são os principais motivos, mas não os únicos.
O drama dos acidentes e sequelas causadas atinge muito além do próprio motociclista – são familiares, parentes e amigos, que passam de uma hora à outra, a ver a moto como uma verdadeira encarnação do demônio, hostilizando o objeto, esquecendo-se que ele próprio é incapaz de causar qualquer espécie de dano, se não estiver sendo manuseado por uma pessoa. O dano causado por um acidente de moto é muito mais abrangente que o próprio, tendo consequências irreversíveis – qual pai ou mãe não insistiria com seu filho para abandonar o motociclismo após um acidente? O que dizer de morte em família? Infelizmente, essa é a mentalidade brasileira.
Em outra vertente, a grande maioria das notícias relacionadas à moto é negativa, sendo as poucas ações positivas, ofuscadas pelo drama dos acidentes e crimes  envolvendo a moto. Basta uma breve pesquisa na internet usando o termo “moto” para ver por si só – aos olhos da sociedade que consome qualquer tipo de informação, somos todos loucos ou bandidos. Genericamente, com exceção da mídia especializada, as principais formas de comunicação em massa, têm antipatia pelo motociclismo. Basta ver o espaço que ocupamos na mídia televisiva, que é quase inexistente.

A conclusão é óbvia – estamos nos afundando na lama, por falta de ação. Nossa e das autoridades que regulamentam o setor.

Moto x Estado
Os governantes, historicamente, nunca se preocuparam muito com o setor – éramos inexpressivos em número e quantidade de problemas gerados, não merecendo qualquer política de estado. A não ser os incentivos fiscais para a produção. Favor não confundir política de estado com política de governo. A primeira transcende os governos temporários. A preocupação maior do estado sempre foi, muito apropriadamente, diga-se de passagem, no âmbito do transporte público, uma vez que a grande maioria da população depende exclusivamente deste tipo de transporte para sua locomoção.
Mas com o aumento da frota de motocicletas, com a continuada falta de investimento na qualificação dos condutores e o crescente uso da moto por parte de criminosos, nos tornamos um “baita” problema para o estado e a sociedade. Bem maior que os benefícios que a indústria do motociclismo gera em riqueza, impostos e empregos.

Tornamos-nos, simultaneamente, problema de saúde e segurança pública!

Essa imagem negativa da moto e de seu usuário, associada à falta de coesão e representatividade da classe, permitiram que diferentes órgãos e autoridades se vissem no direito de querer legislar sobre a matéria sem qualquer critério lógico, quanto mais técnico. Cito alguns exemplos: o juiz que proibiu o uso de capacetes em uma cidade do interior baiano há alguns anos, a tentativa de proibição de garupa em moto, ou ainda esta preciosidade: 



Texto encontrado em apostila fornecida pela CET para uso no treinamento de motofretistas.

Onde está o Ministério Público nessas horas para perguntar à presidência desta companhia, subordinada a Prefeitura de São Paulo, porque este organismo tenta impor medidas restritivas ao fluxo de veículos, quando tem em suas diretrizes promover a mobilidade e a livre circulação?
Como essa companhia determinou o que é, ou não, seguro para um motociclista, quando a comunidade técnica sequer foi ouvida? Onde está a base de argumentação que sustente tal afirmação? Somente um motociclista mal preparado poderia eventualmente concordar com tal premissa.

Simples comparação
Observem agora o que aconteceu com o ciclismo ao longo dos anos, e mais precisamente, ao longo da última década – principalmente nas grandes metrópoles. De uma hora pra outra, o ciclismo ficou em evidência – prefeituras se movimentaram para criar ciclovias, faixas reversíveis e campanhas para uso da bicicleta.




Por favor, não me entendam mal. Adoro andar de bicicleta e apoio o ciclismo nas mais diversas formas e modalidades.
Mas vamos agora fazer uma pequena comparação do que aconteceu ao ciclismo nesse período e o que aconteceu ao motociclismo. Quem pode me dizer quando existiu uma única campanha governamental para uso da motocicleta? Em meus 40 anos de duas rodas, não me recordo de ter visto. Talvez esteja caducando, mas nos últimos 20, tenho certeza que não houve. No entanto, o ciclismo ganhou força e notoriedade por conta da articulação de pequenos grupos, principalmente ambientalistas, que souberam se organizar e articular seu movimento.

E nós? O que fizemos?

Fora as singelas tentativas individuais por parte da mídia especializada e pilotos profissionais em educar os motociclistas quanto a procedimentos e conduta salutar, quem mais agiu a favor do motociclismo? A maioria dos fabricantes acordou para essa realidade apenas recentemente, há menos de uma década, e mesmo assim de forma tímida – principalmente porque viram que seus lucros estavam em jogo.

Pois é. Nosso estilo de vida está caminhando para a inviabilidade.

E agora?
Todos os problemas à parte, vivemos também um momento ímpar na história – 2014 é um ano de eleições e nós motociclistas somos agora um número expressivo de eleitores. O que falta é nos unirmos em torno de temas fundamentais para o futuro do motociclismo no país e nos articularmos para tirar vantagem máxima desta oportunidade – antes que seja tarde demais para reverter o infeliz quadro que ajudamos a pintar.





Não há na história da humanidade qualquer grupo de pessoas que tenha obtido sucesso com lutas individuais.
É a partir da união, que pressões podem ser exercidas para colocar nos eixos tudo de errado que estamos tão cansados de observar.

Discurso político? Não! Não sou candidato a nada!
Mas também não quero ficar de braços cruzados e permitir que pessoas sem qualquer conhecimento desse fantástico veículo, criem políticas que me afetam.

Estes foram os motivos que me levaram à criação do “Movimento pela Valorização do Motociclismo - MVM”, uma organização que pretende reunir os mais diversos profissionais do motociclismo, mas principalmente aqueles da comunidade técnica e da mídia especializada, para debater e chegar a um consenso sobre questões que afetarão nosso futuro.




A meu ver, o Movimento terá a responsabilidade de debater os temas reconhecidamente problemáticos, chegando a um consenso sobre que rumo adotar.

Os temas discutidos serão finalizados na forma de documentos participativos, onde todos os membros tenham opinado até que valores homogêneos, ou votados pela maioria, expressem a opinião de todo o grupo acerca do tema abordado.
Estes documentos serão então encaminhados para os órgãos oficiais que representam a comunidade motociclística, (Ex: ABRACICLO, CBM, ABRAM, etc.) com a finalidade de dar sequência e ação necessárias para implementação das conclusões obtidas, junto às autoridades que regulamentam o setor.
Por fim, as conclusões de temas técnicos também serão apresentadas coletivamente à ABNT, para possível normalização de seu conteúdo, com vistas à padronização –  Ação extremamente importante para dar sustentação aos pleitos.

Os documentos produzidos terão grande valor político por terem sido propostos pela comunidade técnica, que reúne os profissionais mais gabaritados para a tarefa. Como a maioria deste grupo também tem participação em diversas mídias, teremos condições de pressionar os órgãos responsáveis de maneira pública, com extrema visibilidade, respaldados pela opinião constituída coletivamente.

Independente dos resultados, eu acredito que a maioria de nós dormiria mais tranquilamente por ter feito algo de concreto – invés de apenas reclamar. Temos de ter em mente que se tem alguém que de fato possa fazer algo a respeito da atual situação, este alguém somos nós. Afinal de contas, somos referência em vários âmbitos do motociclismo, frequentemente sendo tratados como  “especialistas” e “formadores de opinião”, não é mesmo?

Pelo que pude notar ao longo dos anos de convivência com a comunidade técnica e o meio jornalístico, existe certa uniformidade nas ideias, sendo as arestas poucas e relativamente fáceis de aparar. Basta um pouco de empenho e dedicação dos membros, para nos tornarmos uma voz forte e determinante. Mesmo as ideias contrárias terão sua manifestação assegurada através da metodologia, garantindo que os documentos democraticamente produzidos sejam espelho da vontade da maioria.

Escolhi como plataforma operacional a seção de grupos do Facebook®, combinada ao recurso do Google Docs®, por constituírem a plataforma mais versátil, permitindo agilidade na comunicação entre os membros. Podemos ainda contar com a ferramenta de voto oferecida no Facebook® para ordenar e deliberar de forma construtiva sobre os mais variados temas. Uma vez organizados, poderemos migrar para plataformas que eventualmente sejam mais produtivas.

Enfim, finalizo com o convite à todos os profissionais do motociclismo, de cada um dos estados brasileiros, representantes de fabricantes e associações do setor, bem como qualquer motociclista que tenha opinião fundamentada, a participar dessa luta, que em minha modesta opinião, pode sim, gerar frutos positivos para o nosso estilo de vida. Apelo principalmente aos meus pares, que demonstraram tanta capacidade e sensatez em inúmeros artigos relacionados à segurança motociclística, que ponderem acerca do proposto e se unam a mim nesta empreitada.

Vamos dar um jeito nessa zona !!


Nota do autor: 
Peço a gentileza de compartilhar este texto com quem achar que pode contribuir, tendo em mente que se trata de trabalho acadêmico que precisa de argumentação e contra-argumentação para poder surtir o efeito que desejamos. As pessoas participantes terão que possuir obrigatoriamente essa capacidade argumentativa, embasando suas opiniões no conhecimento técnico e científico.