sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Como administrar “reservas”


A ilusão de uma eventual reserva pode lhe colocar em situações de risco

Na época competitiva em que vivemos, todos os aspectos da vida moderna ganham contornos de busca pela eficiência e melhor aproveitamento de todos os recursos. Ainda que desejável e louvável que pensamentos que buscam um melhor aproveitamento de recursos estejam em evidência, é preciso tomar certo cuidado em como se administram aqueles tidos como reserva.
Você pode imaginar caro leitor, que o tema pode não ter muita relevância para a pilotagem motociclística, mas um pouco mais à frente entenderá onde quero chegar.

O que é reserva?
De forma prática, podemos dizer que uma reserva é parte de um todo que não se planeja usar, mas com a qual se conta para utilização eventual em caráter de condição especial. Para deixar mais claro, cito o exemplo da reserva do tanque de combustível. Todos os veículos fabricados possuem reserva em seus tanques, com a finalidade de ser um ponto no consumo do combustível em que o usuário seja alertado de alguma forma para a necessidade de reabastecimento. Note que nesse ponto a reserva permite o alerta sem a interrupção do consumo, servindo apenas para dar essa ciência ao condutor.
No entanto, todos os fabricantes de veículos colocam em seus manuais de utilização que o tanque de combustível deve ser mantido cheio, ou próximo a isso, evitando utilizar-se da reserva.
Mas quantas vezes todos nós já invadimos essa zona derradeira sob os mais variados pretextos ou até mesmo necessidades? Suponho que muitas. Eu, certamente o fiz.
E há algum problema nisso? A princípio, não, mas uma análise mais cuidadosa irá revelar que o próprio fato da reserva existir dá peso psicológico no processo de tomada de decisão que não pode ser desprezado e muito menos negligenciado. Vejamos agora um exemplo menos inocente que uma simples pane por falta de combustível e o impacto que tem nas decisões formuladas.

Uma estrada qualquer
Esse tema surgiu de uma conversa com amigos motociclistas quando um deles externou que em seu planejamento de tomada de uma curva leva em consideração a largura da pista para decidir sua velocidade, inclinação e outros parâmetros configuráveis da moto em curva. Curioso, formulei um cenário como exemplo, onde o meio consiste de uma estrada de pista simples, uma mão em cada direção e curvas sequenciais de média velocidade. A escolha foi proposital, pelo grau de risco que essas estradas representam e por serem do tipo mais comum encontrado em todos os estados brasileiros. A primeira pergunta que ele me fez foi quanto às condições da estrada – se o pavimento é regular e se possui acostamento. Indagado por que o fato de ter acostamento modificaria sua postura de como tomaria a curva, externou que contava com o acostamento e a pista contrária como “áreas de escape” caso algo desse errado. Essa seria no caso sua “reserva”.
Assim como ele, muitos motociclistas vão à estrada considerando as condições exatamente da mesma forma, como se acostamento e pista contrária poderiam de fato ser utilizáveis. Mas a pista contrária é contramão, com outro veículo trafegado por ela é morte certa, se invadir a pista. Porque alguém consideraria a possibilidade de utilizar essa reserva quando o risco se torna totalmente inaceitável?
A verdade é que todos nós acabamos por cogitar uma eventual possibilidade de utilização simplesmente porque os recursos estão lá.

No fio da navalha
Agora cabe uma reflexão – esses recursos podem de fato ser considerados utilizáveis? Penso que não. Se desejar segurança para mim e para os demais, uma estrada de pista simples significa que tenho a minha disposição apenas a minha faixa de rolagem – e nada mais. Independente de ter acostamento ou não. Se analisar a situação de uma curva nesse cenário e considerar a pista contrária como eventual opção, naturalmente acabaria por explorar a proximidade de seus limites. Nesse caso, a faixa que divide as duas pistas ou o bordo que divide a pista principal do acostamento. Esse uso próximo ao limite eventualmente acabaria em algum exagero e acabaria tendo de fato de usar essa reserva de pista. Obviamente que a situação poderia se transformar em desastre, como infelizmente ainda acontece em todas as nossas estradas.
Permita-me mais uma analogia para exemplificar como podemos ser ludibriados pelas circunstâncias. Imagine-se no alto de um prédio de trinta andares e que na borda não existe qualquer proteção. Se alguém lhe pedisse pra andar nessa borda à apenas alguns centímetros de uma queda fatal, você iria? Assim como eu, provavelmente você também não iria. Mas se eu mudasse as circunstâncias e nesse mesmo cenário acrescentasse um tapume de madeira que se estendesse por cerca de um metro além da borda do prédio e lhe dissesse que o tapume é bem firme, mas que não poderia garantir que aguentaria seu peso, se arriscaria a passear pela borda do prédio? Pois saiba que boa parte das pessoas responderia que sim, e é onde incorremos em erro. Contamos com a reserva sempre que ela se apresenta.

Reeducação

É onde podemos modificar nossa postura ao pilotar. Se analisarmos as situações com maior clareza, logo ficará evidente que para nós, motociclistas, reservas não deveriam ser cogitadas, contando sempre apenas com a porção principal, do que quer que se esteja avaliando. Dessa forma, ficaríamos bem aquém desses limites aumentando consideravelmente a segurança. Pense nisso e em quais situações faz uso de reservas. Talvez esteja se arriscando por estar iludido quanto à viabilidade de uso de algo que, pelo bem de seu estar, não deveria existir.

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